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Bullying no esporte: conduta antidesportiva muito além das quadras

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O mês de fevereiro foi marcado por uma série de denúncias envolvendo celebridades da Coreia do Sul. Grandes reputações foram manchadas por denúncias de bullying desenterradas de épocas escolares. Histórias esquecidas pelos agressores, mas definitivamente relembradas diariamente por aqueles que foram alvos. Mesmo que a maior parte dos denunciados tenham sido idols, o k-pop não foi o único segmento exposto. No antro esportivo também houveram acusações que abalaram os fãs na Península e no mundo.



As acusações começaram em 10 de fevereiro, a partir de um post escrito com relatos de quatro pessoas que preferiram manter a identidade e idade na segurança do anonimato. As acusadoras revelavam que durante o período escolar integraram o mesmo time juvenil que as gêmeas Lee Jaeyeong e Lee Dayeong (jogadoras de vôlei pela seleção nacional da Coreia do Sul e pelo Incheon Heungkuk Life Insurance Pink Spiders), e que foram vítimas de agressões verbais e físicas por parte da dupla. A denúncia ainda citava que outros indivíduos também teriam sofrido maus-tratos, mas preferiram não se envolver na denúncia.


As gêmeas Lee Jaeyeon e Lee Dayeon
Créditos: News1

A postagem indicava que as irmãs Lee ameaçavam com facas aqueles que se negavam a resolver algo pedido por elas. Além disso, elas tomavam dinheiro e socavam as vítimas enquanto proferiam insultos. No total, os autores do texto elaboraram mais de 20 acusações.

Com os relatos rodando a internet e ganhando proporções cada vez maiores, as irmãs se retrataram, usando o Instagram para pedir desculpas pelas ações cometidas durante a adolescência. Elas alegam estar arrependidas, o que não tornou o teor das denúncias menos perturbador e não impediu que fosse criada no site da Casa Azul (a residência oficial do presidente sul-coreano) uma petição por investigações e punições mais severas, que já reúne mais de 120 mil assinaturas. Tampouco tornou inevitável que a Associação Coreana de Voleibol anunciasse que elas estavam sendo exoneradas do time nacional da Coreia do Sul, meses antes dos Jogos Olímpicos de Tóquio. O Incheon Heungkuk Life Insurance Pink Spiders também suspendeu as atividades da dupla por tempo indefinido.



O efeito cascata

A repercussão do caso trouxe à tona mais uma série de denúncias e relembrou ao público situações passadas, das quais têm um papel importante na forma tardia como as denúncias acabam vindo à tona.

No dia 13 de fevereiro, três dias após as denúncias contra as gêmeas Lee, foram feitas postagens acusando os jogadores Song Myung-geun e Shim Kyoung-sub – do time de vôlei OK Financial Group Okman – de abuso físico e verbal, ambos durante o ensino médio e ginásio. Os jogadores assumiram a culpa e foram retirados da equipe pelo resto da temporada.

Jogadores Shim Kyoung-sub (esquerda) e Song Myung-geun (direita).
Créditos: Yonhap.

As denúncias também chegaram ao jogador de vôlei Park Sang-ha, do Samsung Fire Bluefangs. No dia 22 de fevereiro, o fenômeno do esporte anunciou sua aposentadoria precoce devido às polêmicas recentes e seu histórico envolvendo agressão física. O atleta teria negado as acusações a primeiro momento, mas reconheceu a culpa em algumas delas, preferindo então finalizar sua carreira. 

Jogador Park Sang-ha
Créditos: Reprodução


O abuso de poder no esporte e o caso de Park Chul-woo

Para entender como estudantes podem acreditar que têm a permissão para cometer atos tão horríveis contra semelhantes, temos de traçar a influência política e cultural na Coreia do Sul. Primeiro entendendo que desde jovens atletas – ou até mesmo adolescentes sem qualquer envolvimento com esportes e entretenimento – respeitam a ideia de nunca levantar a voz ou repreender “superiores imediatos”, isto é, pessoas mais velhas ou dadas como mais importantes (independente se são hyungs ou professores).

Como exemplo da impunidade prévia para agressores temos o caso do jogador Park Chul-woo que em 2009 realizou uma coletiva de imprensa, na qual apareceu repleto de feridas no rosto e no tronco. O jogador acusou o treinador Lee Sang-yeol de acertá-lo diversas vezes no abdômen e na face com socos e chutes, após supostamente desobedecer ordens diretas. O resultado dos viciosos golpes foi uma concussão, deixando o jogador impossibilitado de entrar na quadra por três semanas. Na época, o agressor foi afastado do cargo, mas retornou 2 anos depois, novamente como treinador da Seleção da Coreia do Sul.


Park Chul-woo durante a coletiva de imprensa em que denunciou o treinador por agressão. (Crédito: Naver)

Situações nas quais profissionais do alto-escalão se tornam intocáveis funcionam como um desincentivo para que as vítimas tomem partido e façam denuncias, o que torna o problema cada vez mais incutido e os traumas mais profundos com fins trágicos. Como foi o caso da atleta de triátlon Choi Suk-hyeon, que cometeu suicídio em junho de 2020, pouco após preencher uma queixa criminal na polícia denunciando por abuso físico e verbal quatro membros que integraram sua equipe entre 2017 e 2019 (o treinador, o médico e dois atletas veteranos).


Choi Suk-hyeon
Créditos: The Sun Daily

Choi teria pedido por investigações diversas vezes, apontando os culpados por suas agressões, tendo provas para as alegações. Apesar do desfecho triste da esportista, o treinador Kim Gyu-bong foi condenado a três anos de prisão, enquanto Jang Yun-jung (veterano) estará encarcerado pelos próximos quatro anos e o colega de equipe Kim Do-hwan será suspenso das atividades por 18 meses.

Apesar do desfecho aparentemente “justo” em relação ao julgamento dos agressores de Choi Suk-hyeon, esse infelizmente pode ser considerado um caso de “exceção à regra”, não o contrário.

As denúncias relacionadas a abuso e bullying incentivaram o anúncio feito pelo presidente Moon Jae-in sobre a criação do Centro de Ética nos Esportes em agosto de 2020. O órgão estatal – na teoria – assegura a transparência na proteção dos atletas, dando mais poder de denúncia e investigações aprofundadas, evitando casos extremos, como os de Choi Suk-hyeon.



A hierarquia no esporte de base

As denúncias mostram um padrão auto-reconhecido entre os jovens sul-coreanos praticantes de esportes competitivos: em uma pesquisa feita pela Comissão Nacional da Coreia de Direitos Humanos, com atletas de base, cerca de 14,7% dos entrevistados alegaram terem sido vítimas de violência física. Dentro dessa média, 79,6% não tomaram qualquer atitude ou reclamaram por medo de retaliação.

Em entrevista ao portal The Diplomat, o professor Kim Byoung-joon (da Universidade de Inha) declarou que antigamente o poder e respeito era 100% focado nos treinadores, agora isso se tornou mais amplo, estendendo também aos atletas veteranos. Kim aponta que é difícil se livrar de dinâmicas enraizadas na estrutura do esporte. Sendo assim, é necessário um novo sistema que mantenha os agressores – ou qualquer um que venha a abusar da posição de destaque – cientes de que todos são iguais perante à lei. Um sistema que invista em soluções não agressivas para as diferenças, e acima de tudo plante o respeito mútuo, independente da posição dentro da equipe ou órgão.

Na Coreia do Sul, atletas que iniciam seus treinos para um futuro profissional no esporte desde cedo têm rotinas pesadas, as quais são acompanhados pelos estudos, mas focados sempre em melhorar o desempenho físico. Em dado ponto, conforme passam a integrar equipes e a delegação, acabam deixando a escola de lado e passando 100% do dia treinando e se aprimorando, morando em “pensões”. No entanto, muitos deles acabam não ascendendo numa carreira promissora e precisam procurar empregos. Entretanto, parte dessas desistências podem vir após o bullying, comum entre os atletas juvenis.

Em entrevista ao portal Yonhap, o professor Chung Yong-chul (Universidade de Sogang) apontou que muitos dos casos de bullying e abuso emocional e físico no esporte não são mencionados na mídia em massa, pois muitos dos agressores não são famosos como as gêmeas Lee ou o treinador Lee Sang-yeol. Considerando que a maioria dos agressores não desfruta do status de celebridade, as mudanças precisam começar desde cedo na educação dos atletas, ensinando os limites e a humanidade, empatia.

Segundo o professor Kim Yoo-kyum (Universidade Nacional de Seul): “As mudanças precisam ser feitas na forma como os atletas são treinados. Ao invés de os colocar (os atletas) em pensões, onde eles aprendem a competir de forma obsessiva, os atletas deveriam receber a mesma educação que os outros estudantes, aprendendo a moralidade e ética básica antes de começarem a treinar.”.

Ao fim, é necessário ensinar o respeito mútuo, pois tanto dentro quanto fora das quadras o espírito esportivo deve ser mais importante do que qualquer troféu.

Fontes: (1), (2), (3), (4), (5), (6), (7), (8), (9)
Imagens: Yonhap News, News1, Naver e The Sun Daily – Reprodução
Não retirar sem os devidos créditos.

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  • Bárbara Contiero

    Maria-cafeína. Tenho mais livros do que amigos. Minhas roupas são 70% de brechós. Epik High me mantém acordada de manhã.

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