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Economia Saúde

Entregadores coreanos sofrem com o excesso de trabalho na pandemia da COVID

15 entregadores de encomendas faleceram na Coreia do Sul até agora em 2020, segundo matéria do The New York Times. O número sozinho pode não chocar as pessoas, mas ele toma dimensões preocupantes quando se considera que cerca de um a quatro trabalhadores do setor morreram por ano no período entre 2015 e 2019. Isso significa que a quantidade de mortes de entregadores mais que triplicou este ano no país asiático, e o culpado é a pandemia da Covid-19.


Funcionários de entrega seguem longas jornadas de trabalho por salários irrisórios na Coreia, e o crescimento do delivery e e-commerce durante a pandemia agravou os problemas já conhecidos para empregados da área. Ativistas e instituições trabalhistas denunciam que as mortes foram causadas por gwarosa (em hangul, 과로사), termo coreano que se refere à morte por excesso de trabalho.


Como é a rotina de um entregador na Coreia do Sul?

O entregador Kim Donghee, 36 anos, mandou no dia 8 de outubro às 4h28 a seguinte mensagem para um amigo: “Eu estou muito cansado”. Quatro dias depois, seus colegas de trabalho ficaram preocupados quando ele não apareceu para bater o ponto, e foram à sua casa. Lá, encontraram o corpo de Kim. A perícia determinou ataque cardíaco como causa de morte, mas os funcionários alegam que ele morreu de excesso de trabalho — Kim cumpria expedientes que começavam por volta das 5h e terminavam cerca de 2h da manhã.




A vítima era funcionária da Hanjin Express. A empresa diz que este não foi um caso de gwarosa porque, supostamente, Kim tinha predisposição a problemas de saúde e entregava cerca de 200 encomendas por dia, o que é abaixo da média do mercado. O caso chamou a atenção de uma força-tarefa civil pelo direito de entregadores, que refutou a Hanjin Express com a alegação de que, antes de sua morte, Kim entregava 200 a 300 pacotes diariamente.

Um representante do grupo ativista explica: “O ato de compensação por acidentes industriais reconhece doenças por excesso de trabalho ao ultrapassar 60 horas semanais de expediente. Não será inesperado se todos os entregadores coreanos adoecerem ou morrerem de gwarosa, considerando a atual jornada de trabalho”.

A história de Kim Donghee é, infelizmente, comum: um estudo de setembro do Centro de Saúde e Segurança de Trabalhadores estima que os empregados trabalham por seis dias na semana uma média de 12 horas diárias. Para piorar a situação, o salário não condiz com as horas trabalhadas: um relatório indica que entregadores ganham em média 2,35 milhões de wons por mês, sendo que o salário mínimo determina que ofícios de 70 horas semanais devem ser compensados com, pelo menos, 2,74 milhões de wons.

A longa jornada de trabalho faz com que os funcionários sigam uma rotina semelhante à de Kim Donghee: acordar antes mesmo do nascer do sol para bater ponto, e retornar para casa no meio da madrugada. Isso impede os empregados de conviverem em família, além de resultar em poucas horas de sono e uma sensação interminável de cansaço. Um levantamento divulgado em outubro mostra que 25,6% dos entregadores mal fazem suas refeições porque não têm horário de almoço, e cerca de 40% deles têm apenas um intervalo de cerca de 10 a 20 minutos para se alimentar durante o expediente.




A pandemia intensifica o gwarosa de entregadores

Se entregadores já devem cuidar de um grande número de pedidos em um dia “comum”, a crise mundial de saúde agravou ainda mais a precariedade do ofício. Estatísticas apontam que o serviço de delivery cresceu 30% na Coreia do Sul com a pandemia, chegando a 3,6 bilhões de encomendas no país. As lojas virtuais prometem entregas mega-rápidas que esgotam os funcionários responsáveis pelo serviço, e eles podem ser penalizados caso não honrem o prazo estipulado pelo vendedor.

Fora o prazo apertado, algumas questões da pandemia pioraram ainda mais as condições do trabalho de delivery. Por exemplo, é comum entregadores serem obrigados a subir lances de escada com pacotes pesados, já que moradores temem pelo contágio de Covid-19 se os funcionários usarem elevadores em prédios. Pesquisas indicam que, no primeiro semestre de 2020, casos de ferimentos provocados pelo trabalho cresceram mais de 43% no setor de delivery.

E por que os trabalhadores continuam se submetendo a essas condições? Dados de desemprego da Statistics Korea — uma espécie de IBGE coreano — demonstram que a pandemia atingiu com força o mercado de vagas de trabalho. Em outubro, havia 2,71 milhões de cidadãos empregados no país, cerca de 421 mil a menos do que em 2019, antes da crise. O índice de desemprego cresceu de 0,7% para 3,7% em 2020. Muitos entregadores não têm nível superior e precisam pagar as contas, então não acham uma opção melhor de trabalho.



Cadê as leis trabalhistas?

Durante seu mandato, o Presidente da Coreia do Sul, Moon Jaein, já diminuiu a jornada semanal de trabalho de 68 para 52 horas. Contudo, a medida vale apenas para funcionários corporativos, ao passo que entregadores são empregados terceirizados pelas empresas de logística. Assim, os cerca de 54 mil entregadores coreanos não são contemplados pela lei trabalhista, e não têm benefícios como férias remuneradas, pagamento de hora extra e seguro de vida para acidentes de trabalho.

Após tantos casos gritantes de gwarosa no setor de delivery, o governo sul-coreano reconheceu que medidas devem ser tomadas para proibir o trabalho em excesso e reivindicar direitos aos entregadores. Entre as ações previstas, o governo prometeu estabelecer cinco dias de trabalho e vetar entregas noturnas. Enquanto isso, empresas de logística como a Hanjin Express se comprometeram a prover benefícios como exames médicos periódicos, e a contratar mais funcionários para diminuir o expediente e dar conta da atual demanda de entregas.

Entretanto, entregadores não podem ainda se dar ao luxo de serem otimistas. O especialista em direito do trabalho Yun Aelim, da Universidade Nacional de Seul, explica à Reuters que o governo não tem interesse em pressionar as grandes empresas: “Eles [os políticos] querem ser amigos das companhias e não buscam trazer complicações a elas”.

Fontes: (1), (2), (3), (4), (5)
Imagens: Woohae Cho (The New York Times) e Yonhap (Reprodução)
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  • Beatriz Cardoso

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