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Política

Como desertores da Coreia do Norte fogem e vivem na Coreia do Sul?

Buscando uma vida longe de um dos governos considerado mais rígido e autoritário do mundo, como é o da Coreia do Norte, alguns cidadãos decidem desertar de seu próprio país. Porém, mesmo após a fuga e chegada à Coreia do Sul, um dos países pra onde essas pessoas imigram, os desertores enfrentam grandes desafios para se adaptarem ao novo lar. Por isso, muitos dizem que suas lutas não terminaram quando chegaram ao Sul.

Conheça algumas das dificuldades que os desertores enfrentam e histórias de como três desertores seguiram suas vidas após chegarem na Coreia do Sul.



Quais as motivações das deserções?

Créditos: ED JONES/AFP/Getty Images

De acordo com a Association for Asian Studies, são vários os motivos que levam os norte-coreanos a desertarem. A privação de alimentos, dificuldades financeiras e outras pressões políticas são os principais fatores por trás das deserções da Coreia do Norte.

A história da diáspora na República Popular Democrática da Coreia (DRPK), amplamente conhecida como Coreia do Norte, perpassa quatro grandes ondas. Porém, a principal onda se deu a partir da década de 1990. 

Nesta época, a maioria dos refugiados se estabeleceram na China e na Coreia do Sul. A grande fome que afetou o país neste período foi o principal motivo da fuga. Só foi possível que um grande número de desertores conseguisse fugir, porque durante este período de fome a fronteira coreana-chinesa não tinha alta proteção. Os guardas de fronteira norte-coreanos também sofriam com a fome e acabavam sendo subornados em troca de alimento. Na época, a China não possuía quaisquer interesses em patrulhas reforçadas na fronteira. O regime norte-coreano também tolerou que milhares de desertores deixassem o país como tentativa de reorganização econômica. 

Segundo os dados divulgados pela Association for Asian Studies, em 2019, cerca de 80.000 norte-coreanos estão em situação ilegal na China, enquanto cerca de 26.000 estão na Coreia do Sul. 

No total, a atual diáspora da Coreia do Norte provavelmente consiste em cerca de 150.000 a 160.000 pessoas, incluindo trabalhadores estrangeiros e desertores.


Por que a Coreia do Sul é um dos principais destinos?

A grande maioria (73%) de todos os norte-coreanos que entram na Coreia do Sul passaram cerca de três a quatro anos em países de trânsito, como a China, antes de conseguir entrar no Sul. 

Apesar dos países estarem conectados, a fronteira da Coreia do Norte com a Coreia do Sul é provavelmente a área mais fortificada e guardada do mundo, o que torna quase impossível deserções diretas na fronteira. Sendo assim, a principal rota de fuga é passando pela China. Porém, o destino de vários desses desertores costuma ser a Coreia do Sul.

Isto porque, como imigrantes ilegais, os desertores não são elegíveis para cidadania e vistos chineses. Porém, se os desertores norte-coreanos chegarem à Coreia do Sul, tem a oportunidade de receber a cidadania após um período obrigatório de três meses.

O mapa a seguir demonstra como são as rotas de fuga da Coreia do Norte, passando pela China e pelo Sudeste Asiático para chegar até a Coreia do Sul. Refugiados norte-coreanos cruzam o rio Tumen para a China no inverno, depois que os rios Yalu e Tuman estão congelados. Mesmo com sua situação vulnerável, os refugiados muitas vezes optam por ficar e trabalhar para ganhar dinheiro na China antes de viajar para o Sudeste Asiático. Embora alguns tomem a rota do “Triângulo Dourado”, através da Birmânia-Tailândia-Laos, a maioria escolhe a rota Laos-Tailândia.


Entre os anos 2000 e 2010, o governo sul-coreano possuía uma política de incentivo amplo aos desertores. Estima-se que cerca de 26.000 norte-coreanos chegaram à Coreia do Sul entre estes anos.

Com o crescente número de desertores nos anos 2000, o governo precisou alterar suas políticas, por razões econômicas e diplomáticas. Portanto, atualmente o governo não fornece apoio ativo aos refugiados norte-coreanos na China e outros países de trânsito, reduzindo os subsídios apenas para aqueles que conseguirem chegar à Coreia do Sul, a fim de conter a migração em cadeia.


O que acontece quando chegam ao Sul?

O governo sul-coreano fornece várias formas de apoio para facilitar o processo de socialização, incluindo subsídios estatais para moradia, educação e treinamento profissional. Inicialmente, os desertores passam por um período de investigação e um interrogatório com o serviço de inteligência.

Depois, se estabelecem por três meses em uma instituição chamada Hanawon, instalação de educação administrada pelo governo sul-coreano. Nela os desertores aprendem aspectos básicos sobre a sociedade sul-coreana, para se familiarizar com a comunidade local e conseguir um emprego. Ao deixarem a instituição, eles recebem uma casa pública e alimentação para os primeiros dias. Um conselheiro ou um desertor que já se estabeleceu oferece apoio adicional.  

As empresas sul-coreanas recebem incentivos governamentais para empregar desertores. Apesar disto, é muito difícil encontrar um bom emprego. Isto porque o nível e o tipo de ensino entre a Coreia do Norte e na Coreia do Sul são bastante diferentes. Há poucos trabalhos para os quais os norte-coreanos costumam ser contratados na Coreia do Sul, e muitos acabam sendo destinados a subempregos.

O governo também oferece subsídios para quem deseja continuar sua educação. Desertores não precisam pagar por diplomas universitários de graduação e aqueles com menos de 35 anos também podem frequentar a pós-graduação gratuitamente.

Porém, a saúde mental nunca foi uma prioridade na política de apoio aos refugiados. Existem alguns serviços de aconselhamento disponíveis, mas é uma área que requer muitas melhorias. A questão foi colocada em pauta em 2019, quando a desertora Han Sung-ok e seu filho foram encontrados mortos em um apartamento, em Seul. De acordo com uma pesquisa feita com refugiados norte-coreanos na Coreia do Sul, cerca de 15% admite ter pensamentos suicidas, este número está 10% acima da média sul-coreana.

Um caso que recentemente ganhou destaque na mídia foi a do desertor que voltou para a Coreia do Norte em janeiro deste ano. Após uma investigação das autoridades, foi constatado que o homem passava por dificuldades financeiras e isso o motivou a decidir voltar ao seu país de nascença. Com este ato, o desertor entrou em uma lista de cerca de 30 pessoas agora chamadas “desertores duplos”.

Outro fator agravante na saúde mental é que os refugiados são muitas vezes vítimas de bullying e discriminação. Um estudo divulgado em fevereiro de 2021 pela organização estatal Korea Hana Foundation (KHF) informou que 17% dos 3.000 indivíduos entrevistados disseram ter sofrido discriminação por serem do Norte.

A grande maioria dos que relataram no estudo experiências com discriminação, disseram que era por causa de diferenças culturais entre as duas nações, como sotaque e modos sociais. Dentre estes, cerca de 44% disseram que foram tratados de forma diferente apenas por serem do Norte. Quase 23% disseram que foram criticados por não ter o mesmo nível de ensino.

Em uma entrevista ao Yonhap, o presidente da Korea Hana Foundation, Jung In-sung, disse que os sul-coreanos deveriam fazer mais para acolher os desertores e aceitá-los sem preconceito, já que são vizinhos e partilham da mesma origem. Jung disse também que o apoio deveria se concentrar não apenas em ajudá-los a alcançar uma autossuficiência econômica, mas auxiliar para que possam ser completamente incluídos e unidos à sociedade sul-coreana.



Histórias de desestores norte-coreanos

Conheça algumas histórias de desertores norte-coreanos que conseguiram seguir a vida ao chegar na Coreia do Sul, após a travessia e as dificuldades de adaptação.


Kim Seong-min

Créditos: BBC

Kim Seong-min nasceu em Chagang, Coreia do Norte. Ele frequentou a Faculdade de Educação Kim Hyung-jik e trabalhou na 620ª Unidade de Propaganda Artística do Campo de Treinamento.

Em 1996, Kim fez uma fuga pela fronteira norte-coreana-chinesa, mas foi pego por soldados norte-coreanos enquanto tentava embarcar em um navio para a Coreia do Sul. Ele foi enviado de volta para a Coreia do Norte e condenado à morte. Mas conseguiu escapar mais uma vez pulando de um trem. Por dias ele se escondeu no interior da China, comendo raízes e grama para sobreviver. Três anos depois, conseguiu chegar à Coreia do Sul.

Em entrevista ao BBC News, Kim agradeceu as oportunidades educacionais disponíveis na Coreia do Sul. Ele diz que no início foi complexo. Primeiro, conseguiu apenas pequenos empregos, não tinha recursos suficientes para passar os meses e trabalhou como faxineiro e zelador. Ele decidiu se formar em jornalismo. Após anos de estudo, ele conseguiu um emprego na emissora de televisão sul-coreana KBS, onde se tornou roteirista de dramas. 

Em 2004, ele fundou a Free North Korea Radio juntamente com a ativista estadunidense Suzanne Scholte. A rádio transmite notícias locais da Coreia do Norte fornecidas por uma série de jornalistas internos secretos. Segundo ele, é ilegal para os norte-coreanos ouvir qualquer coisa que não seja rádio estatal, e todos os rádios legalizados seriam consertados para tocar apenas canais aprovados pelo governo. Mas Kim acredita que mais e mais norte-coreanos estão sintonizando secretamente.

Segundo as palavras de Kim em entrevista à CNN, os norte-coreanos precisam de comida, mas também precisam de comida para suas mentes, caso contrário continuarão a ser enganados pelo governo. Ele acredita que o trabalho que faz na FNK está ajudando outros norte-coreanos a ouvir sobre outros pontos de vista.

Kim Seong Min é o único norte-coreano na equipe da estação de rádio que usa seu nome verdadeiro. Três dos 15 funcionários da FNK Radio são sul-coreanos, os outros são desertores. Eles usam pseudônimos para proteger suas famílias que ainda vivem no Norte.


Yeonmi Park

Créditos: Getty Imagens

Yeonmi Park é uma desertora e ativista norte-coreana cuja família fugiu da Coreia do Norte para a China em 2007, quando ela tinha apenas 13 anos, e se estabeleceu na Coreia do Sul em 2009.

Segundo Park, enquanto vivia na Coreia do Norte, seu pai foi preso por comércio ilegal e condenado a trabalhos forçados no campo de reeducação de Chungsan. Após a prisão do pai, a família passou fome e decidiu se mudar para uma outra cidade, próximo à família materna. Mas em 2005, sua mãe foi presa durante um mês por mudar ilegalmente de residência.

Quando seu pai foi libertado da prisão, eles decidiram fugir. Escaparam da Coreia do Norte viajando pela China com a ajuda de corretores. Durante a fuga, se separaram de sua irmã e seu pai veio a falecer. Missionários cristãos chineses e coreanos os ajudaram a se mudar para a Mongólia e, em 2009, diplomatas sul-coreanos facilitaram a transição da família para Seul.

Ao chegar na Coreia do Sul, ela e sua mãe receberam treinamento no Centro de Reassentamento Hanawon. Elas tiveram dificuldade em se adaptar às suas novas vidas na Coreia do Sul, mas conseguiram encontrar empregos como balconistas e garçonetes. Park conseguiu estudar e foi admitida na Universidade Dongguk, em Seul. Ela foi escalada para o programa de televisão da EBS Now On My Way to Meet You, um programa de variedades com desertores norte-coreanos.

Em abril de 2014, o Serviço Nacional de Inteligência da Coreia do Sul informou a Park que sua irmã, Eunmi, havia fugido para a Coreia do Sul via China e Tailândia. Após isso, Park e sua mãe finalmente se reuniram com Eunmi após sete anos.

Park atualmente mora nos Estados Unidos e escreveu um livro chamado Para poder viver, onde conta sua história.


Lee Hyeon-seo

Créditos: Lee Hyeon-seo

Lee Hyeon-seo cresceu em Hyesan, na Coreia do Norte. Ela diz em seu livro The Girl with Seven Names: Escape from North Korea que, quando era jovem, acreditava que vivia no melhor país do mundo. Ela diz que a vida na Coreia do Norte era normal, embora quando tinha sete anos, viu sua primeira execução pública. Sua família não era pobre, mas após a fome norte-coreana nos anos 1990, ela testemunhou muito sofrimento.

Em 1997, Lee fugiu da Coreia do Norte sozinha para realizar o sonho de ir para a faculdade, acreditando que retornaria ao país depois de alguns anos. Ela se tornou imigrante ilegal na China e conseguiu comprar uma identidade falsa. Assim, conseguiu obter passaportes e carteira de motorista. Após 10 anos sendo um fugitiva na China, Lee conseguiu escapar para a Coreia do Sul, em 2008.

Ela ainda diz que ao chegar na Coreia do Sul passou muita dificuldade, percebendo uma grande lacuna entre o Norte e o Sul, desde a formação educacional até diferenças culturais e linguísticas. Em um artigo para o The Wall Street Journal, ela disse: “Somos um povo racialmente homogêneo por fora, mas por dentro nos tornamos muito diferentes como resultado dos 63 anos de divisão“.

Lee ajudou sua família a fugir e se adequar à vida na Coreia do Sul. Em 2011, ela foi admitida no departamento de língua chinesa da Universidade de Estudos Estrangeiros de Hankuk e conseguiu um emprego no Ministério da Unificação da Coreia do Sul como jornalista estudantil. Ela concluiu recentemente seus estudos da graduação.

Seu currículo inclui artigos para o New York Times, Wall Street Journal, Korea Real-Time e o blog London School of Economics Big Ideas, além de ter sido entrevistada pela BBC, CNN, CBS News e vários outros canais de televisão, jornais e rádios em todo o mundo. Agora, Lee planeja iniciar uma organização para ajudar refugiados norte-coreanos promissores a interagir com a comunidade internacional.

Ana Raíssa da Luz
Fonte: (1), (2), (3), (4), (5), (6), (7), (8), (9), (10), (11), (12), (13)
Imagens: BBC, Getty Imagens e Lee Hyeon-seo (reprodução)
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  • Ana Raíssa Luz

    23 anos, mineira, graduada música, estudos em neurolinguística e army. Vivo uma eterna paixão pela Coréia.

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