15 de agosto é uma das datas mais importantes para os sul-coreanos, pois neste mesmo dia em 1948, a República da Coreia foi criada oficialmente após anos sob domínio japonês. A história da Coreia, desde sua criação e libertação, é marcada por diversos protestos e greves que moldaram a sociedade de hoje. E é quase impossível não dizer que a arte de protestar está no cerne dos sul-coreanos, que se organizam, mostram cartazes, sentam ou batem panela (nas ruas, não nas janelas de casa, ok?). Independente se é um idoso ou jovem, o povo coreano vai protestar.
Historicamente, manifestações e lutas geraram mudanças
Entre os 70 anos existentes como um país separado e independente de seus vizinhos ao norte, a Coreia do Sul passou por diversas crises políticas, principalmente envolvendo corrupção. O histórico de revoluções iniciadas através de protestos tem o início nos primórdios de sua fundação. Uma das manifestações mais conhecidas recebeu o título de Revolução de Abril, a série de eventos que levaram à renúncia do primeiro presidente sul-coreano eleito, Syngman Rhee, iniciaram em 15 de março de 1960, após as eleições e suspeitas de fraude na contagem de votos. Um dos manifestantes de Masan (cidade onde a movimentação contra a manipulação eleitoral teve o pontapé inicial), Kim Ju-Yul, foi encontrado morto quase um mês depois, em 11 de abril. O estudante foi morto por um projétil atirado por policiais. Os protestos pediam por uma polícia menos violenta e exigiam novas eleições. A ação cruel dos oficiais e de apoiadores do presidente desencadeou uma reação maior ainda.
De certa forma, a renúncia e exílio de Syngman fez crescer nos habitantes da península a confiança em seu poder, mostrou aos manifestantes e todos angustiados com as injustiças de uma eleição fraudada a possibilidade de derrubar políticos, governos, realizar mudanças reais, como foi pontuado por Taehyun Nam, professor da Universidade Salisbury e acadêmico em Políticas Coreanas, em entrevista ao portal Foreign Policy.
Essa foi uma das amostras do poder exercido pela voz pública, em decisões democráticas mesmo, sendo feitas sob um regime autoritário, este que integrou a política pública sul-coreana desde o início da invasão japonesa, até meados de 1987, com a implementação das eleições diretas. Ao longo das décadas sofridas, muitas conquistas vieram após levantes, como o Massacre de Gwangju.
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Quando analisamos os motins, levantes e manifestações com uma visão ampla da história nacional, desde a Independência Coreana, vemos que essa característica sul-coreana tem raízes sócio-psicológicas, representadas pelo termo “han”. O conceito por trás da palavra é usado para descrever o sentimento específico de profunda tristeza, dor e raiva, como resposta para injustiças e condições de sofrimento. A sensação de impotência e incapacidade, provinda da falta de segurança e poder, faz o “han” aparecer. Levando em conta o histórico de invasões, mortes e perdas acarretadas ao longo dos séculos, é instintiva a necessidade de se pronunciar e fazer fluir a confiança na voz de centenas ou milhares.
O último impeachment motivado por levantes públicos aconteceu em 2016, com a renúncia da então presidente Park Geun-hye. Para entender toda a história, na época dos ocorridos fizemos um dossiê completo, explicando todas as intrincadas situações envolvendo líderes de um culto cristão-xamânico, corrupção e da falta de tato ao lidar com o desastre marítimo Sewol.
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Movidos pelo “han” e dispostos a demonstrar o poder da democracia, sul-coreanos fazem bem o uso de seus direitos constitucionais em prol do próprio país. É muito comum que grandes protestos coreanos se tornem conhecidos pela sua organização, quantidade de manifestantes e os resultados que eles alcançam. A vontade de mudança pelos coreanos é demonstrada em apoio à causas internacionais, como aconteceu com o Black Lives Matter em 2020, mas principalmente em questões de seus cotidianos. Desde grandes assuntos em escala nacional, quanto algum problema em uma rua ou bairro.
Grandes protestos coreanos ficaram conhecidos, mas dentre os já citados acima, outros foram das causas feministas, pró aborto no país e contra câmeras instaladas por homens em banheiros femininos.
Este último, em 2018 milhares de sul-coreanos foram às ruas após mais de 6 mil casos de pessoas gravadas sem autorização, em sua grande maioria, mulheres, e que tiveram sua privacidade invadida e distribuída em sites pornôs, normalmente sem o conhecimento das vítimas.
Na época, dezenas de milhares de mulheres protestaram contra essas gravações ilegais. Elas também criticaram a forma como a Justiça da Coreia do Sul tratava os casos e a legislação que pune esses crimes, que consideravam muito branda, levando com que o país revisse suas diretrizes. Na época, foi implementado que celulares com câmera sempre iriam emitir algum som a cada vez que uma foto é tirada e banheiros eram checados diariamente em busca de câmeras escondidas.
A forma de protestar mudou e se expandiu conforme o tempo passou, as tecnologias evoluíram e mais vozes se juntaram em uníssono. Antes a democracia se fazia somente em passeatas, agora as manifestações atingem novos patamares: a aderência de movimentos por países em outros continentes, fuso-horários e idiomas. A fome por justiça sempre fala mais alto, o “han” pede por soluções e equidade.
Atualmente, o ambiente online contribuiu muito para a popularização dos protestos e também para demonstrar apoio a diversas causas. Inúmeros idols, hoje em dia, se manifestam através de redes sociais com imagens e hashtags, além de textos abraçando a necessidade contribuir para discussões e difundindo suas opiniões sobre o temas.
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