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Sociedade

Vozes da rebelião: o surgimento do Dia do Movimento pela Independência coreana

Em 2024 celebra-se o 105º aniversário de um dos principais feriados da Coreia do Sul, a memória de um dia que resultou no primeiro levante pela independência do domínio japonês.

Rebeliões políticas são, desde os primórdios da consciência humana, um combustível inflamável. E para todo protesto existe um resultado. A prova dessa máxima pode ser vista na própria história da Coreia. No dia 1 de março de 1919, uma série de manifestações pacíficas foram incitadas ao longo de toda a península coreana contra o domínio japonês, que reagiu com violência e truculência contra os cidadãos coreanos. O povo pedia pela independência da nação, que havia se anexado oficialmente como parte do território japonês em 1910. Hoje a data é comemorada como um ponto chave na história, e foi crucial para a emancipação coreana que resultou em um país de imenso potencial político, econômico e cultural.

Entre 1885 e 1905, o Japão demonstrou seu poder bélico através da industrialização e o grande interesse nas terras férteis da península coreana. Esse interesse japonês fazia parte de todo um movimento pela conquista de mais território. Na época unificada como Império de Joseon, a Coreia também despertava o interesse do Império Russo. A guerra entre os impérios durou um ano, entre 1904 e 1905. 

O Japão, recebendo apoio dos Estados Unidos e Grã Bretanha, ao fim viu o país Eurásico retirar suas tropas. Os EUA e o imperador japonês criaram então um acordo secreto, permitindo a colonização da Coreia e das Filipinas. Essa conversa por debaixo dos panos abriu as portas para o Tratado Forçado de 1905. Nele, o Imperador Gojong precisaria abdicar do poder sobre suas Relações Exteriores. A assinatura aconteceu sob ameaças militares, após a invasão do Palácio Real Gyeongbokgung.

 Meia década depois, surgiu um segundo tratado, desta vez anexando oficialmente a Coreia ao Império Japonês. O documento oficial alegava que a decisão seria tomada pela paz e bem-estar dos coreanos, dando ao Japão a soberania dentro da península coreana. Sem apoio internacional e enfraquecidos militarmente, o Imperador Gojong não teve escolha senão aceitar.

O documento com oito artigos especificava as implicações políticas e da realeza, mas em seus últimos itens mencionavam o povo coreano. Estes itens diziam que as oportunidades de emprego seriam oferecidas àqueles que concordassem e se tornassem leais aos novos líderes. Contudo, em nenhuma das cláusulas estava descrita a truculência militar ou a censura a demonstrações culturais nacionais. O Império Japonês proibiu que o idioma coreano fosse ensinado, passando a lecionar japonês nas escolas. Documentos da época alegavam que essa era uma ação filantrópica para “civilizar” a população e comprovar o sucesso da absorção de uma nação. As colheitas de arroz foram tomadas para o abastecimento do império nipônico e os coreanos não tinham metade dos direitos de cidadania dos japoneses.

“Nós aqui proclamamos a independência da Coreia e a liberdade do povo coreano. Dizemos ao mundo em testemunho da igualdade das nações e passamos para a posterioridade como seu direito herdado.”

Proclamação de Primeiro de Março pela Independência Coreana

Ao fim da Primeira Guerra Mundial (1918) muitos regimes imperialistas estavam se desmanchando, criando novas nações independentes. Contudo, o desejo de liberdade era uma verdade entre estudiosos coreanos desde os primeiros momentos de 1910, quando Joseon passou a ser reconhecida por Império Coreano. Os movimentos pela independência surgiram não somente dentro da península, mas em embaixadas ao redor do planeta, como em Xangai e Nova York. O discurso de Lênin – uma das mentes por trás da Revolução Russa – e do presidente norte-americano Woodrow Wilson, que advogavam em prol do direito de autonomia para as nações, também serviram como peças chave para o levante de 1919.

Em 21 de janeiro de 1919 o último imperador da Dinastia Joseon, Gojong, faleceu em circunstâncias suspeitas. O fato inflamou ainda mais o direito de independência, visto que o próprio monarca era defensor da soberania coreana. Sua morte veio logo após a Conferência pela Paz em Paris falhar em libertar a península e a tensão continuou crescendo conforme passaram a surgir rumores de que ele havia sido envenenado pelo regime japonês. Aquele foi o estopim.

O funeral em respeito a morte do Imperador Gojong estava previsto para acontecer em 3 de março de 1919, em Seul. No mês antecedendo o evento fúnebre, as instituições que haviam surgido incutindo a ideia de liberdade começaram a movimentar os círculos sociais, colocando a ideia de uma revolução pacífica no auge do patriotismo e do luto. 
Assim, em 1º de março, uma comissão reunindo 33 líderes religiosos e culturais deram vida ao documento denominado “A Proclamação de Primeiro de Março pela Independência Coreana”, espalhando o texto e suas reivindicações de paz e libertação por toda a península e países paralelos com cerca de 3.000 cópias. Naquela manhã, milhares de coreanos apareceram balançando suas bandeiras e cantando o hino nacional na praça Tapgol, para ouvirem pessoalmente a declaração de independência vinda dos ativistas. O manifesto incitou passeatas pacíficas que foram a faísca para aquelas adotadas ao longo de um ano, que foi repleto de fatalidades do desejo por direitos humanos.

“A Proclamação de Primeiro de Março pela Independência Coreana”, texto assinado por 33 líderes religiosos e culturais, pedindo pela independência do povo coreano. (Arquivo Histórico/ Administração da Herança Cultural)

Aquele foi um dos primeiros entre mais de 1500 manifestações públicas de resistência, dos quais reuniram estimados 2 milhões de coreanos em 218 dos 225 distritos administrativos do país. As informações de reuniões pacíficas passadas vocalmente foram o suficiente para incitar a pior e mais violenta resposta japonesa, da censura à morte para aqueles que resistissem e desobedecessem ordens dos militares e policiais. Prédios, igrejas e escolas foram queimados até às cinzas e milhares de ativistas foram massacrados.

A multidão pacífica protestava em frente ao palácio de Deoksugung. (Imagem: Jornal Kyunghyang)
Ryu Gwan-sun, uma jovem estudante que se tornou um dos símbolos do movimento após aderir às passeatas em primeiro de março de 1919, continuou a liderar protestos em outras cidades até sua prisão e morte em 1920. (Arquivo Histórico)

O resultado imediato de tanto esforço foi a criação do Governo Provisório da República Coreia em abril de 1919, tendo Syngman Rhee como presidente e sua sede em Xangai. Aquele momento de luto deu início a uma tradição em memória de todas as vozes da rebelião, que resultaram no começo de reformas e levantes que seguiram sendo organizados, estruturando oficialmente as bases para um governo democrático. Em 1945, o Japão foi derrotado e condenado a liberar todas as nações anexadas.

Presidente Moon Jae-in nas comemorações do feriado de 3.1절 em 2020 (Imagem: 경남일보)

O dia 1º de Março foi definido como feriado em 1949, e desde então, anualmente a bandeira sul-coreana é hasteada dentro das casas e outros estabelecimentos ao redor do país. Também acontecem passeatas e exibições de imagens para sempre relembrarem os acontecimentos de 1919, além da tradicional leitura da “Proclamação de Primeiro de Março pela Independência Coreana” na mesma praça em que foi declamada pela primeira vez. O sino em Bosingak, Seul, é tocado 11 vezes por dignitários e políticos, em memória dos 33 heróis da independência.

Artigo escrito em parceria com o Centro Cultural Coreano
Fontes:
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Bárbara Contiero

Maria-cafeína. Tenho mais livros do que amigos. Minhas roupas são 70% de brechós. Epik High me mantém acordada de manhã.

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