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A história, revolução e importância do HANGUL, o alfabeto oficial coreano

Todo k-popper um dia já sonhou em conseguir entender logo de cara o que o bias está falando. Seja uma legenda de foto, uma cartinha especial ou até mesmo uma curta live informal feita para agradar o fã. E para isso, é preciso estudar e aprender o hangul, idioma falado na Coreia do Sul. 



Aprender e entender o hangul se tornou algo muito comum desde a grandiosa disseminação do Hallyu, o fenômeno conhecido por levar a cultura sul coreana pelo mundo afora. E a busca por aulas, fóruns e grupos de estudos cresceu muito entre os fãs de k-pop, que dedicam parte do seu tempo para apoiar grupos e artistas, e aprender hangul se tornou um hobby comum entre os mais diversos fandons.

É muito legal aprender um novo idioma, e o hangul tem se tornado muito popular. Entretanto, o idioma que hoje é tão procurando, é muito precioso para a sociedade coreana. Você sabe a importância que esse idioma tem para a Coreia? E sabe como ele surgiu? O hangul é responsável por unir o povo coreano, desde a realeza até os camponeses, criando assim uma identidade para a sociedade coreana. Você pode não saber, mas o hangul foi um ato revolucionário! E a KoreaIN vai explicar o porquê dessa importância.

Alfabeto coreano. [Korean Cultural Center AU]


Alfabeto ‘rookie’

Apesar de não parecer, o idioma oficial da Coreia, derivado do alfabeto hangul é um dos idiomas mais novos do mundo! O hangul tem cerca de quinhentos anos (1446 dC). Considerando que o alfabeto fonético remonta a três mil anos (1050 AEC), isso é muito jovem comparado aos outros alfabetos do leste asiático.

Isso tudo por conta da fundação da Coreia, por conta de seus reinos e também invasores ao longo de sua história. Mas calma, vamos contextualizar um pouco antes de chegar até os dias atuais, para que você admire ainda mais a história do alfabeto coreano. 


O chinês como idioma oficial

Antes do hangul ser o idioma oficial da Coreia, falava-se o mandarim, utilizando o Hanja  (漢字), caracteres chineses trazidos da literatura budista e chinesa. E antes do século 15, esse era o sistema de escrita preferido na Coreia, sendo adaptado pela classe dominante do reino coreano. Era usado para literatura, processos burocráticos do reino e manutenção aos registros oficiais. 

Os caracteres hanja e chineses são logográficos. Ou seja, você não pode soar os caracteres foneticamente, como em espanhol, alemão e inglês (às vezes). Muitos caracteres chineses derivam de ilustrações, como os hieróglifos egípcios. Um breve esboço de um pássaro significa pássaro. Neste script chinês, 山 significa montanha. [Research Gate]

Os coreanos usaram o Hanja de duas maneiras: a princípio, eles usaram os caracteres como são, onde muitos membros da elite podiam falar e escrever em chinês. No entanto, o idioma coreano foi criado e existiu paralelamente ao chinês, posto que, os coreanos queriam preservar sua singularidade, uma vez que eles não eram chineses, sendo assim, suas palavras soaram diferentes. 

Então, a elite coreana decidiu adaptar os caracteres Hanja para o coreano foneticamente. Por exemplo, se um símbolo do Hanja soasse como uma palavra em coreano, os coreanos usavam o símbolo para representar uma palavra coreana, ou seja, eles adaptavam o símbolo do Hanja baseado no que a palavra foneticamente representava. Essa fonética surgiu de acordo com o idioma coreano daquele século, aparecendo devido a necessidade dos povos de se comunicarem entre si sem desentendimentos. 

Melhor ainda explicando: a palavra banana era representada por um símbolo Hanja e se pronunciava “wamama”, porém, os coreanos usavam a palavra “wamama” quando falavam em “restrição de impostos”. Ficou muito complicado depender completamente dos ideogramas chineses e suas adaptações.

Exemplo de símbolos em hanja adaptadas para o hangul. [OrganicKorea]


Idioma nada acessível

A educação da Coreia há alguns séculos estava disponível apenas para a classe alta do reino. A principal fonte de educação era baseada na filosofia confucionista e dedicada às pessoas ricas do lugar ou monges estudiosos. O idioma era baseado em outro sistema de escrita, com a educação e estudos centralizados somente na classe mais rica da sociedade. Para um camponês ou escravo, a perspectiva de vida era muito baixa, afinal ele não tinha acesso ao conhecimento com a mesma facilidade que os mais ricos tinham. Aprender a ler e escrever não era para todos.

As pessoas comuns (fora da realeza) não tinham voz ativa, não podiam questionar as escolhas da classe alta, escrever para as pessoas que gostavam, ou até mesmo fazer simples anotações e o pior de tudo: elas não conseguiam ler e aprender sobre o mundo lá fora. Não é preciso ir tão longe assim, afinal, elas não tinham conhecimento nem do que acontecia ao lado de seu reino. O povo coreano era limitado à comunicação oral e culturalmente ligado a apenas os costumes do lugar em que viviam.


O Rei Eterno – Sejong, “O Grande”

O Rei Sejong era um patriota. Ele achava que a Coreia poderia progredir se competisse ou se alinhasse a outras nações e para isso o país precisava de uma maneira de expressar seus próprios pensamentos e ideias. Era necessário então, um sistema de escrita que realmente refletisse o idioma coreano falado.

Se você der um passeio pela Praça Gwanghwamun (광화문 광장) em direção ao Palácio Gyeongbokgung (경복궁), no coração de Seul, você topará com uma estátua de seis metros. Diga olá a Sejong, o Grande, um dos líderes mais famosos da Coreia. [Freepik]

Nascido em 1397, no alvorecer da Dinastia Joseon, Rei Sejong era um líder erudito. Ele ajudou a codificar os calendários e organizou o primeiro manual do fazendeiro para divulgar técnicas agrícolas úteis por toda a península. Seguindo suas tendências reformistas, o Rei Sejong trouxe um inventor camponês chamado Jang Yeong-sil (장영실) para sua corte. Isso atraiu a ira da crosta superior. Eles pensaram que Jang Yeong-sil não merecia tal status, no entanto, o Rei Sejong rejeitou seu classicismo. Com a ajuda do rei, Jang Yeong-sil passou a criar um catálogo de invenções úteis, incluindo um dos primeiros medidores de água.



Tchau, Hanja! Olá, Hangul!

Os coreanos disseram adeus ao hanja para dar espaço ao hangul. Rei Sejong declarou que o idioma deveria ser simples e acessível, para que todos da sociedade coreana pudessem aprender e entender para se comunicarem entre si. A criação do idioma refletia duas necessidades: expressar as particularidades da gramática coreana, a qual eles haviam construído adaptando o hanja, e também o som que derivava da comunicação entre os povos, ou seja, os símbolos deveriam, estritamente, refletir na fala

E foi assim que em 9 de outubro (agora Dia de Hangul) de 1446, o Hunminjeongeum (훈민정음), literalmente “alfabeto coreano” foi divulgado junto ao manual de instruções para o hangul. O próprio Rei Sejong teve a honra de escrever o prefácio e em texto citou que o alfabeto era uma forma de responder aos gritos dos analfabetos. Rei Sejong, tinha o objetivo de democratizar a linguagem escrita, oferecendo uma chance a todos de subir na escala social. 

O hangul foi rapidamente adotado pelas mulheres e escritores populares da época, ou seja, as classes mais baixas. Eles poderiam aprender de forma independente, sem escolaridade formal, podendo se expressar com suas próprias palavras e alfabeto.

Eles não precisavam de nenhuma educação. Eles não precisavam de nenhum controle de pensamento. A criação do Hangul foi revolucionária e libertadora!

Imagem do filme “As letras do Rei”. [Forbes]

Mas nem tudo são flores…

A classe dos aristocratas, funcionários do governo e estudiosos confucionistas, conhecido como Yangban – 양반,  não gostaram nada da criação do idioma, afinal, isso significava que o povo simples poderia, enfim, chegar a altura de quem durante todos os anos teve acesso a educação. 

Para se tornar um Yangban era preciso fazer um grande teste de leitura em hanja. O temido gwageo (과거), exigia anos de estudo e uma grande conta bancária. Quase qualquer pessoa poderia fazer e passar no exame. Mas, como um camponês seria capaz de passar por ele? Afinal, o acesso à educação e ao dinheiro era praticamente nulo.

Para os Yangban’s, o hangul era uma ameaça a sua fortuna, pois a dádiva do conhecimento permitia que eles ascendessem socialmente, obtendo o poder sobre o povo e o reino. 

E tudo piorou em 1504, quando os camponeses usaram de sua liberdade de expressão para criticar o rei do ano em questão: Yeongsangun. O rei ficou furioso e baniu o estudo de hangul, e quem ousasse protestar era assassinado, vários ministros reais tentaram defender o estudo do hangul, mas foram mortos e tiveram toda a família assassinada. O Hanja voltou a ser o idioma oficial, e o hangul ficou distante por alguns séculos. 

Pintura retratando o Rei Yeongsangun, conhecido na história por sua tirania [Quora].

Apesar do Hanja ser novamente o alfabeto oficial, algumas histórias escritas em hangul circulavam por aí. Livros, contos, poemas em hangul se tornaram populares, e as pessoas queriam saber o motivo de tanto sucesso, por isso precisaram aprender hangul para ficar por dentro. Bem parecido com os dias de hoje, quando não encontramos traduções do hangul para o idioma em que estamos familiarizados e buscamos aprender o hangul para entender. 

O hangul voltou com força na década de 1890, quando a corrupção tomava conta da Coreia. O analfabetismo voltou a ser um problema, afinal, nem todos tinham acesso à educação, e o povo pressionava o Rei para encontrar uma solução. O povo, que antes teve acesso a educação e conheceu a liberdade de expressão, queria aprender, conhecer e descobrir o universo ao redor. Clamavam por direitos.

Rei Kojong (고종), atual governante, fez uma grande mudança ao estabelecer a Reforma Gabo (갑오 개혁), que aboliu a escravidão, expulsou as classes sociais, principalmente os Yangban’s e criaram um sistema de educação e emprego baseado no mérito. Mais importante ainda, a Reforma do Gabo declarou que todos os documentos do governo deveriam ser escritos em Hangul. As escolas começaram a ensinar Hangul. Os jornais começaram a imprimir notícias em Hangul. O idioma acessível estava de volta!

Estrangeiros com trajes da era Joseon (1392-1910) Os acadêmicos da Universidade Sungkyunkwan praticam a escrita do alfabeto coreano na quarta-feira durante um festival anual em Ulsan, quando o país celebra o 573º Dia de Hangul. [NEWS1]


A invasão japonesa

Soldado japonês amedronta cidadãs coreanas [Art in society].

Em 1910, a península coreana foi invadida pelos japoneses. Os coreanos ficaram sob o comando da nação Japonesa por 35 anos. A Coreia perdeu sua identidade; viveu uma ditadura. Os nomes coreanos foram abandonados, pois os japoneses impuseram novos nomes para todos, e o hangul foi proibido, pois todos deveriam falar japonês. A invasão do Japão na Coreia marca um dos períodos mais tristes e revoltantes vividos pelos coreanos, que sofreram as mais graves atrocidades. Foi nesse período, inclusive, que jovens coreanas foram levadas para casa de repouso dos soldados japoneses e transformadas em escravas sexuais. 

Entretanto, os japoneses queriam manter o sangue puro e a ideia de atribuir nomes japoneses aos coreanos, e proibir de vez o alfabeto hangul, faria com que os povos se misturassem. Por isso, o império japonês decidiu não atribuir nomes japoneses a quem estivesse na Coreia e voltou a permitir o aprendizado do hangul em escolas e universidades. 

Tudo, porém, ficou uma bagunça! Pois o dialeto coreano misturava com o idioma japonês e ficou muito difícil aprender corretamente o hangul, ainda mais vivendo sob a pressão do império japonês, que exigia o idioma nativo do Japão como uma obrigação. 

Para a salvação da comunicação coreana, um grupo de professores, estudiosos e voluntários, conhecido como a Sociedade da Língua Coreana (한글 학회), reformaram o hangul decodificando-o com a base do idioma japonês e 1912 e 1930.

Antigo registro da Sociedade da Língua Coreana [NEWS]

No entanto, com a tensão da Segunda Guerra Mundial, o Japão foi ainda mais rígido no controle. Em 1938, o Japão adotou uma política de assimilação, agora a cultura coreana estava estritamente proibida e isso implicava em não ensinar mais o hangul e sequer utilizar esse alfabeto, inclusive para documentos oficiais que eram escritos em japonês. 

Nesse longo período de repressão, a Sociedade de Língua Coreana tentou manter arquivado todos os documentos em hangul, sendo a reformulação do alfabeto, a história e todos os textos que conseguiram guardar. E para manter a língua viva, publicava e divulgava revistas a respeito do hangul


Uma nova esperança

Com a queda do império japonês em 1946, a Coreia se viu livre da ditadura vivida nos últimos anos. E após uma longa história, o hangul oficialmente se tornou o alfabeto do idioma coreano. 

Coreanos comemoram a liberdade [IndeDay]

E mesmo com a separação das Coreias, devido a conflito de interesses entre os Estados Unidos e a União Soviética (hoje Rússia), o hangul manteve-se firme – e atualmente mantém – como o idioma oficial dos países: Coreia do Norte e Coreia do Sul.



Curiosidades

  • O idioma foi criado para ser aprendido e ensinado com facilidade. Segundo o Rei Sejong, o hangul deveria ser fácil de aprender para uma pessoa inteligente, e ensinado com facilidade por uma pessoa ignorante. Para ele, em menos de uma semana todos deveriam aprender o alfabeto. Parece uma missão impossível para quem não é coreano, porém fez todo o sentido para quem já falava coreano, pois as letras do alfabeto formam o desenho da letra ao serem pronunciadas. 

Experimente falar a palavra hangul e observe o desenho de seus lábios. Sua língua fica presa no topo da boca ao pronunciar ㄱ (som g). A letra ㅗ (som o) imita como sua língua se curva e deixa um espaço entre sua língua e o céu da boca. Incrível, não?

  • Aprender o hanja pode te ajudar no hangul e vice versa. Afinal, o hangul foi adaptado de acordo com a necessidade da população daquela época, e alguns símbolos são bem próximos! E aprender o hanja virou uma tradição para os coreanos, é muito comum encontrar os símbolos do alfabeto chinês em diversos lugares da Coreia do Sul. 
Três caracteres chineses simples são comumente usados para distinguir entre diferentes tamanhos de itens em restaurantes ou supermercados coreanos.
  • Atualmente o alfabeto coreano possui 24 letras, sendo 10 vogais e 14 consoantes
alfabeto fonético coreano [whattodoinkorea]

Depois de toda essa passagem rápida pela história coreana, conhecemos a importância do alfabeto coreano para a identidade e liberdade de um povo. Quando abrir um fórum para aprender coreano, lembre-se de toda luta para manter o hangul vivo e que hoje acende a chama de esperança nos corações de estudantes no mundo todo!

Por Isabela Marques
Fontes: (1), (2), (3), (4), (5), (6), (7), (8), (9) e (10).
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  • Isabela Marques

    Jornalista do interior de SP. Tenho 29 anos e quase metade deles foram dedicados ao mundo geek asiático. Quando não estou sendo uma boa fangirl, aproveito para ler bons livros e webtoons de mistério.

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