Diversos feriados têm sua origem na mitologia e o folclore de um país pode ser considerado um de seus maiores tesouros. A Coreia do Sul respeita e relembra a origem de seus costumes e histórias de ancestrais, mas tanto orgulho do próprio passado também é expressado ao revisitar o que é considerado o início da existência do povo coreano e a fundação da península como uma nação. No dia 3 de outubro, anualmente é celebrado o Gaecheonjeol (개천절), ou Dia da Fundação Nacional, feriado na Coreia do Sul criado para celebrar o começo de uma trajetória nacional repleta de batalhas, mas com bases em suas lendas ricas.
A origem do feriado é contada em um dos mais tradicionais livros sobre a história das Coreias. O Samguk Yusa – traduzido como “Memorabília dos Três Reinos” é um compilado com 5 livros escritos pelo monge budista Iryeon em 1281. Trata-se de um longo estudo da Coreia, incluindo contos do folclore, epígrafes, arquivos do monastério e documentos históricos.
A obra explora mais a fundo toda a trajetória dentro do território, expandindo e documentando de forma mais clara assuntos e passagens não inclusas no Samguk Sagi (História dos Três Reinos, publicado em 1145) e no Haedong Goseungjeon (Vida dos Célebres Monges Coreanos, publicado em 1255), assim adicionando mais fatos e detalhes ao passado da península. Samguk Yusa traça o início do povo e da Coreia com o surgimento de Dangun, o primeiro rei e fundador de Gojoseon (고조선).
A história contada no Samguk Yusa diz que o princípio se deu quando Hwanin (o Senhor dos Céus) teve um filho chamado Hwanung (o Regente Divino Supremo) que em sua juventude, o rapaz expressou anseio por viver na Terra, entre seus vales e montanhas. Seu desejo foi concedido, assim descendo dos céus levando consigo 3.000 de seus seguidores até o Monte Baekdu, fundando o reino de Sinsi (Cidade de Deus). Na floresta existia um urso e um tigre pedindo para que Hwanung os transformasse em humanos, para assim aprenderem tudo o que estava sendo ensinado aos residentes. A entidade os ouviu, mas propôs um desafio para definir se mereciam a dádiva: ficariam presos dentro de uma caverna por 100 dias, vivendo com vinte dentes de alho e artemísias sagradas como alimento. O tigre desistiu depois de 21 dias, mas o urso resistiu e recebeu a recompensa, se tornando uma bela mulher chamada Ungyeo (traduzido literalmente como “mulher urso”).
O tempo passou e Ungyeo demonstrava sua gratidão fazendo oferendas a Hwanung. No entanto, com os anos que seguiram, se sentiu triste e solitária, por isso agachou ao lado de uma bétula divina e rezou para que os deuses a auxiliassem a conceber um filho. Hwanung, comovido pelas preces da moça, a tomou como esposa e juntos tiveram Dangun Wanggeon. O fruto da relação entre eles acabou ascendendo ao trono, assim fundando Gojoseon em 2.333 a.C. Esse seria considerado por historiadores como o ano do surgimento oficial da Coreia e do povo coreano.
O dia em específico foi definido por seguidores da religião xamânica coreana Daejongismo: eles cultuavam os deuses e Dangun, declarando que aquele teria sido o dia em que Hwanung desceu dos céus com seus seguidores. A palavra Gaecheonjeol (개천절) consiste em termos traduzidos como “o dia em que os céus abriram”. Culturalmente, a ideia de comemorar em outubro se tornou ainda mais aceitável por conta da fartura nas colheitas do período. A celebração de um mito para a fundação da nação, de acordo com estudiosos, trouxe reconhecimento da força do povo coreano, guiando-os pelo despertar nacional, independência e solidariedade ao longo da história.
Em 1919, com o um governo provisório bem estabelecido em Xangai, a República da Coreia celebrou o 3 de outubro com um evento organizado pelo Conselho do Estado. Eles evitaram usar o nome oficial, Gaecheonjeol, para driblar a censura do Japão quando a iniciativa também chegou na península. No ano seguinte, não foi possível relembrar a fundação da Coreia, pois com o fim dos levantes motivados pelo Movimento pela Libertação em 1º de março de 1919, se tornou mais obstinada a supressão pelo exército nipônico de qualquer inspiração ou fagulha de orgulho e apego à identidade nacional. Em 1949, com o fim da Segunda Guerra e a independência, foi definido por lei como um feriado nacional para relembrar as raízes e a força do povo.
Nos dias de hoje, o feriado se inicia com a bandeira sul-coreana sendo hasteada em todas as casas e prédios oficiais do governo. Um evento patrocinado pela Casa Azul é organizado no período da manhã, contando com a presença de pessoas de todas as classes sociais. Um discurso escrito pelo presidente é lido pelo Primeiro Ministro e transmitido pela televisão e internet. Assim abre-se às comemorações e ao redor do país acontecem manifestações culturais de dança, música e artes marciais tradicionais. Também são visitados os santuários para Dangun em diversas regiões, como Sajik Park em Seul. Uma cerimônia especial pela honra e memória do líder milenar é organizada no altar de Chamseongdan, no Monte Mani-san, ao sudoeste da Ilha de Ganghwa. Dizem as lendas que o local foi construído por Dangun para sacrifícios aos céus.
Fogos de artifício também são uma parte importante da celebração. Ao anoitecer, no Parque Yeouido Hangang (projetado ao lado do Rio Han), o céu é iluminado por um verdadeiro espetáculo pirotécnico. As pessoas se reúnem no lado oposto à margem do parque para assistir ao evento.
O Gaencheonjeol continua sendo uma forma de celebrar o profundo orgulho dos coreanos por sua origem e independência, honrando a memória dos reinos e dinastias que vieram antes da Coreia do Sul moderna.
Texto feito em parceria com o Centro Cultural Coreano no Brasil
Fontes: (1), (2), (3), (4), (5), (6), (7), (8)
Não retirar sem os devidos créditos.