A Coreia do Sul é um país muito conhecido por sua estrutura de respeito e formalidade com os mais velhos. Entende-se que um país que exige um nível tão grande de formalidade ao se falar com pessoas mais velhas também seja um país que acolhe e cuida da terceira idade, correto? Não!
Com o drama Navillera foi possível perceber várias críticas sociais quanto ao desrespeito e negligência com os idosos.
“Para quê fazer papel de bobo? […] Não cause problemas para os nossos filhos […] Não seja uma vergonha para nossos filhos […]” (Navirella, Ep. 3)
Estas são falas ditas pela atriz NaMoon-He, que interpreta a personagem Choi Hae Nam. A série retrata nesta fala a preocupação que se tem, sendo um idoso coreano, em não causar problemas aos filhos, viver apenas o suficiente para não atrapalhar e “envelhecer com elegância”. Anos atrás, tratamos deste assunto em um artigo sobre o desamparo econômico da terceira idade na sociedade sul-coreana. Desta vez, faremos um panorama socioeconômico dos idosos na Coreia do Sul.
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História
Embora a Coreia do Sul seja o lar de grandes desenvolvimentos tecnológicos e tendências de ascensão mundialmente famosas, ela também tem um dos maiores índices de idosos pobres. Na década de 1970, uma crise financeira atingiu o país e deixou cerca de 2 milhões de pessoas desempregadas, muitos desses trabalhadores são os idosos de hoje.
Quando o país começou a reconstruir sua economia, muitas empresas decidiram substituir a geração mais velha de trabalhadores por outra mais jovem. Embora os trabalhadores mais jovens não custassem tanto, a população recém-desempregada não teve outra escolha a não ser se aposentar antes do esperado. Hoje, a população idosa que foi afetada pela crise financeira tem que se sustentar trabalhando em empregos não convencionais.
Segundo o professor Lee Ho-Sun, da Korea Soongsil Cyber University em Seul, por terem vivido em tempos de crise, miséria e caos, os idosos coreanos possuem a ideia de que precisam cumprir deveres para o país sem nunca esperar que o país faça algo por eles. Outro fator determinante para o desamparo dos idosos é que, tendo criado seus filhos com poucas condições, muitos deles pensam que falharam com seus filhos, não podendo dar o que precisavam e, portanto, criam a ideia de que não merecem ser ajudados. Então, ao invés de pedir ajuda aos filhos, os idosos preferem continuar trabalhando e se sustentando sozinhos. “Esta geração não tem nenhum conceito de bem-estar social porque viveram em tempos de crise, eles não sabem como pedir ajuda, quanta ajuda eles podem conseguir, ou mesmo quem pode ajudar”, disse o professor Ho em um documentário para a CNA.
Cultura e economia
Antes do período de crise, a Coreia tinha uma cultura muito forte voltada ao entendimento de que os “filhos cuidam dos pais” e, com isto, o governo não via necessidade de investir em um bom sistema previdenciário. Os adultos também não se importavam em unir recursos e poupar dinheiro para a aposentadoria, tendo em mente que seus filhos cuidariam de tudo ao chegar na velhice. Mas, com o rápido desenvolvimento do país e a população jovem assumindo mais responsabilidade e trabalhando cada vez mais, a cultura de cuidar de seus idosos foi desaparecendo.
Os jovens se viam muito ocupados e exaustos para cuidar de seus pais e os abandonavam em asilos ou pediam que trabalhassem mesmo em idade avançada, pois, não tinham condições de bancá-los. No entanto, o governo sul-coreano não acompanhou esta mudança com melhorias no seu sistema previdenciário. Portanto, muitos idosos deixaram de ser cuidados pelos filhos e também não possuíam amparo do governo, que se estagnou em deixar este aspecto apenas para o controle dos filhos.
É importante dizer que o governo sul-coreano introduziu seguro social, programas de cuidados médicos, pensões e cuidados de longa duração como formas de reduzir esta desigualdade, porém, o gasto social de 7,5% do PIB permanece bem abaixo da média aceitável da OCDE, que é de 20%.
Crise demográfica
Angel Gurria, secretário-geral da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), disse em 2020 que o maior desafio enfrentado pela sociedade sul-coreana é o rápido envelhecimento da população. A Coreia do Sul é um dos países que envelhecem mais rapidamente no mundo.
Um estudo da Statistics Korea mostrou que o país se tornará a sociedade mais envelhecida do mundo em 2067, com a população idosa sendo 46,5% da nação. Sendo assim, a grande crise demográfica do país faz com que o trabalho da população jovem não seja suficiente para bancar os aposentados e isto gera um sistema deficitário da previdência sul-coreana. Portanto, os idosos precisam trabalhar por muito mais tempo do que o ideal, sendo obrigados a se tornarem autossuficientes até o fim da vida. Apenas um terço das pessoas com mais de 65 anos possui alguma pensão do governo, ou seja, idosos que não tiveram condições de poupar para a aposentadoria e não possuem o apoio familiar estariam fadados a viver na pobreza.
Atualmente
Diante desta dura realidade, o governo sul-coreano tem criado leis de incentivo a ONGs que se esforçam para ajudar os idosos e tem proposto melhorias para essa população. A exemplo, temos a EverYoung, uma startup de monitoramento de conteúdo que contrata apenas idosos como forma de lidar com a discriminação por idade, e um restaurante em Seul que serve refeições gratuitas para idosos diariamente desde 1990.
Muitas ONGs estão voltando seus esforços para preencher a lacuna entre as gerações, não apenas para dar companhia aos idosos, mas também porque conectar os jovens voluntários aos idosos pode estimular a harmonia social.
Apesar da crise previdenciária e abandono, existem organizações que se preocupam e buscam ajudar os idosos.
Por Ana Raíssa Luz
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Imagens: Elisa Hu (NPR),Jean Chung (Nikkei Asia)
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