Em junho, a Comissão de Auditoria e Inspeção divulgou um relatório informando que mais de 2000 bebês nascidos entre os anos de 2015 e 2022 não tinham registro de nascimento. A descoberta fez com que a Agência Nacional de Polícia (ANP) abrisse dezenas de investigações para descobrir os paradeiros das crianças.
Nesta segunda (10), o Escritório Nacional de Investigação da ANP informou que está investigando 939 casos dos chamados “bebês fantasmas” ou “crianças fantasmas”. Alguns casos se desenvolveram com a descoberta de diversos casos de infanticídio. Até o momento, 34 mortes foram confirmadas, 11 destes seguem em investigações com suspeita de que os bebês tenham sido mortos pelos próprios pais.
Um total de 1069 denúncias de bebês não registrados foram recebidas até a última sexta (07). Os paradeiros de 782 bebês permanecem desconhecidos, com apenas 146 tendo sido localizados. A maioria das denúncias, 205 no total, foram registradas na Delegacia Metropolitana de Seul.
Um dos primeiros foi o da mãe que matou dois bebês – uma menina nascida em novembro de 2018 e um menino nascido em novembro de 2019 – e escondeu os corpos no refrigerador. A polícia a indiciou por assassinato para que a ré possa receber uma pena mais severa do que a de infanticídio e o caso seguiu para a Promotoria. Conforme as investigações avançam, é esperado que outros pais se tornem réus pelo mesmo crime.
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Ao mesmo tempo em que chocam a sociedade, os casos também escancararam uma faceta até então pouco conhecida da Coreia do Sul. O portal The Korea Herald conversou com especialistas que indicaram como a falta de medidas protetivas, educação sexual nas escolas e os tabus envolvendo a maternidade tiveram um peso nas mortes desses bebês.
O Professor Kim Youn Shin, acadêmico de Medicina Forense da Universidade Chosun, publicou um artigo no qual analisou sentenças de mães que foram julgadas por infanticídio. Resultados mostraram que muitas mulheres – a maioria solteiras – cometeram os crimes por medo de revelar a gravidez para seus familiares e se tornarem mães solo. Outro fator também citado foi a falta de condições financeiras para sustentar uma criança.
Os pesquisadores também destacaram a importância de programas de educação sexual nas escolas para oferecer informações aos alunos – de acordo com cada faixa etária, vale ressaltar – abordando temas como saúde sexual e métodos contraceptivos podem evitar novos casos de gravidez indesejadas.
O padrão de aulas sobre o tema sexualidade nas escolas sul-coreanas é uma única aula com um vídeo de uma hora de duração cobrindo os conceitos geral de sexo. Não há qualquer referência à temas mais específicos como relações sexuais, puberdade, serviços clínicos, aborto e o uso de métodos contraceptivos para relações seguras.
Uma outra necessidade apontada pelo estudo do Professor Kim é a introdução de medidas convencionais para que a sociedade possa refletir sobre os direitos das mulheres. A Professora Park Myung Sook, acadêmica na Universidade de Sangji, reforça essa necessidade dizendo que é preciso abraçar as mães solo como parte da sociedade.
Após a revelação dos crimes, o governo se apressou para aprovar um projeto de lei para mudar o atual sistema de registros de recém-nascidos. Futuramente, os hospitais terão obrigação de reportar os nascimentos para as administrações locais em até 14 dias após o nascimento. A medida deve entrar em vigor em até um ano.
Mesmo visando corrigir a brecha que permitiu que o estado passasse tanto tempo sem saber da existência dos bebês, a medida já está sendo duramente criticada porque pode representar um novo obstáculo para as mãe solo. Isso porque, normalmente, as crianças são registradas com o sobrenome dos pais. Portanto, fazer um registro com o nome materno pode afetar negativamente a criança futuramente.
Com isso, especialistas sugerem o uso de estratégias para lidar com gravidez indesejada, incluindo apoio às mães solo e abordagens alternativas sobre o aborto, apesar do acesso ao mesmo estar em um limbo sem previsão para sair.
O Tribunal Constitucional descriminalizou o aborto no país em abril de 2019, apesar de permitir punições em algumas circunstâncias específicas. Porém, a proposta do governo para permitir o aborto em até 14 semanas de gestação está pendente na Assembleia Nacional desde 2020. Críticos apontam que a demora levou a um aumento do uso de pílulas abortivas e cirurgias feitas de forma ilegal e sem supervisão.
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Imagem: 123rf
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