Ilustrador, quadrinista e streamer, Monge Han lançou o livro “Vozes Amarelas” pela editora HarperCollins. O quadrinho é um compilado de cinco histórias — três delas previamente lançadas em formato digital e duas completamente inéditas. Essas histórias traçam um percurso através das vidas de personagens que compartilham origens sul-coreanas, seja como nativos ou descendentes. E estão profundamente entrelaçadas com a história do próprio autor, que desempenha um papel central como um dos protagonistas do livro.
Na sessão de autógrafos de seu livro na Bienal do Livro do Rio de Janeiro, Monge Han conversou com a KoreaIN e contou um pouco sobre sua história, como surgiu a ideia para escrever o livro, identidade racial e um spoiler sobre seu novo livro com lançamento previsto para 2024. Confira!
KoreaIN: O livro Vozes Amarelas é um compilado de cinco histórias, três lançadas previamente e duas inéditas. Dessas que você lançou previamente, qual retorno você teve tanto da comunidade amarela quanto do restante dos leitores?
Monge Han: Quando lancei independente, foram os trabalhos que mais me fizeram ficar conhecido, porque eu não tinha uma base muito grande. Quando eu estava fazendo quase não publiquei, foi um trabalho de pulo de fé, e eu [pensei] quero falar sobre isso porque foi o que eu vivi. Escrevendo as páginas eu ficava muito em dúvida, mas teve um retorno muito bom, boa parte das pessoas que me seguem vieram por conta desse trabalho. Mas também tem muita gente que está comprando o livro que nunca leu, então vai ser muito interessante acompanhar [o retorno que virá depois].
KoreaIN: As pessoas conversaram com você dizendo que se identificaram com as situações abordadas ali?
Monge Han: Bastante! O “Criança Amarela” foi publicado quando a Hallyu tava muito recente aqui no Brasil, então a maior parte das pessoas que leram eram crianças que, como eu, viveram a infância nos anos 1990, então não tinham referência nem encontravam termos para falar o que elas eram. Por exemplo, eu não sabia dizer se eu era amarelo, se era racializado, branco ou não, era confuso porque minha pele era clara. Quando eu falei sobre isso no quadrinho, por causa de criadores norte-americanos que falavam sobre o tema, já que lá a discussão sobre isso dentro da comunidade asiática é muito mais avançada. Aí eu comecei a pensar e refletir e lembrar muita coisa da minha vida. Realmente eu percebi que eu sou uma pessoa amarela e quando eu postei muita gente começou [a] falar que também tinha passado por isso, [afirmando] eu também sou uma pessoa racializada, inclusive a minha mãe, porque ela não tinha essas ferramentas para pensar sobre a própria identidade racial.
KoreaIN: Quando você releu as suas histórias, de alguma forma te trouxe alguma memória que estava guardada lá no fundo ou mesmo gatilho por ser biográfico e por tratar de temas tão sensíveis?
Monge Han: “Criança amarela” e “Criança amarela colorida” nem tanto, mas “Hamoni”, que fala sobre a minha vó e também sobre a morte dela, eu releio bem pouco. Eu fiz ela, mas reli umas duas vezes e deixo lá. Eu lembro como foi o falecimento da minha avó e sempre fico muito emocionado. O quadrinho foi uma forma de lidar com o luto de ter perdido ela e ter percebido como ela era uma mulher muito coreana [nas tradições e no modo de ser].
KoreaIN: Quando criança você não tinha interesse em se aproximar da cultura coreana, isso se deu por conta da estigmatização e dessas situações abordadas em “Criança Amarela”?
Monge Han: Totalmente! Na introdução do livro eu comento muito sobre isso. Na época [da infância nos anos 1990], tudo que era ligado à minha identidade racial não era nada positivo. Por exemplo, quando tinham elogios eram sempre: Ah muito inteligente, mas eram em áreas que eu não tinha interesse. Eu não gosto de matemática, sempre fui muito artístico, e então tudo que eu fazia bem era porque eu era “japa”. As coisas negativas eram muito negativas, principalmente para uma criança de nove anos. Eu tentava me afastar e dizer que minha família era [asiática], mas eu não. Meu pai era branco e tinha essa confusão na minha cabeça. Eu neguei isso [ascendência coreana] um pouco principalmente na juventude e adolescência, quando eu era bem novo. Só foi a partir dos dezoito anos que eu comecei a pensar mais sobre essas coisas [identidade racial], e senti que isso me fez afastar de muita coisa que eu me arrependo. Muita história que eu poderia saber da minha avó, poderia ter aprendido coreano e recusei. Acho que isso foi uma das piores coisas, porque não tem como retornar. Meus avós já faleceram e eu não consigo mais ter um contato que eu gostaria de ter tido. A gente já tinha um contato de muito carinho, mas se eu soubesse o coreano, poderia ter perguntado coisas mais profundas para eles, como onde eles moravam, como era, coisas que eu tenho muita curiosidade hoje em dia mas nunca mais vou ter como saber exatamente como foi. Como foi a imigração [deles], por que exatamente eles mudaram, se queriam vir mesmo para o Brasil ou Estados Unidos, essas coisas que hoje eu me pergunto.
KoreaIN: Você acha que o crescimento da Hallyu e todo esse interesse pela cultura coreana te ajudou, particularmente, a se aproximar ainda mais da Coreia?
Monge Han: Para mim, pessoalmente, mais ou menos. O meu resgate não veio através da onda Hallyu, mas acho que isso é positivo para muita criança asiática que não tem referência no Brasil, porque quando eu era novo, nem tinha nenhum homem asiático que era considerado bonito na mídia em geral. Só o fato de isso existir hoje já acho bacana para as crianças terem uma referência, até de corte de cabelo, estilo de roupa. Como a gente não tinha referência nenhuma, se sentia meio bizarro, sem lugar. Eu acho muito legal a onda Hallyu, mas meus interesses pessoais são mais ligados a artes plásticas. Gosto muito de pesquisar sobre a arte tradicional coreana, gosto muito de ler quadrinhos. Comecei pelo japonês, mas tenho procurado e lido mais os quadrinhos coreanos. A música eu acho massa, mas não tenho costume de ouvir pop no geral, apesar de achar legal e já ouvi algumas músicas. A minha mãe tem se reconectado muito com a cultura através do K-drama, muito mesmo. Ela não assistia quase série nenhuma, mas minha avó já amava antes de ser famoso no Brasil, ela sempre assistiu em casa e eu assistia junto sem entender nada porque era em coreano com legenda em coreano. Minha mãe tem gostado muito de assistir como forma dela estar com a minha avó, se reconectar com a origem coreana dela.
KoreaIN: Você pensa em escrever em estilo Webtoon?
Monge Han: Eu penso, mas como eu sempre penso em publicar, na minha cabeça eu sempre penso em páginas, mas o Webtoon é muito melhor para ler on-line. Lendo webtoon eu percebo que você vai só rolando a página e é muito bom. Eu ainda quero fazer algo assim, mas é difícil, porque eu fico pensando que se eu fizer algo assim e levar para uma editora, será que ela vai achar que é complicado para adaptar ou será que eu mesmo [vou]? Porque eu acho muito legal e justamente se eu fizesse webtoon, eu teria umas ideias muito loucas de uma páginas super longas puxando várias coisas para botar na página, é muito difícil. Então a única coisa que não me fez fazer isso ainda foi pensar nessa adaptação para o impresso.
KoreaIN: Você pode dar algum spoiler sobre o livro novo, Daruma, com o lançamento previsto para 2024?
Monge Han: Eu estou muito animado de fazer porque Daruma é um quadrinho onde os protagonistas e os vilões são asiáticos brasileiros. Eu não queria fazer um quadrinho com asiáticos brasileiros lutando contra o opressor branco, porque acho que ficaria piegas e também eu acho que nem sempre o asiático brasileiro tá na posição de herói no Brasil. O livro não vai abordar isso diretamente, mas a metáfora por trás do que eu quero falar é um pouco isso. Como o asiático brasileiro com consciência racial quer se posicionar em relação a políticas públicas em relação ao racismo no Brasil mesmo. Nós, pessoas amarelas, já temos um embate moral desde quando nascemos, porque somos racializados mas temos acesso a alguns espaços mas não todos. A gente é permitido em alguns espaços mas não todos, porém, podemos usar esses espaços para falar sobre o racismo não só contra pessoas amarelas mas com outras etnias também. Ou alguns amarelos podem simplesmente ficar quietos e usufruir o melhor que puder e até reforçar o status quo. Quando a gente olha para políticos, pessoas influentes, percebemos que eles nunca vão tocar nesse tema porque isso não vende, e porque realmente não é interessante. Mas hoje vemos muitos amarelos que, apesar da exposição, tipo a atriz Ana Hikari, tem coragem de falar e de se posicionar. Tem esses dois lados e quero muito representar isso nos personagens, que serão asiáticos brasileiros de São Paulo, mas a história em si vai ser de ação e aventura.
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Imagens: Instagram e HarperCollins
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