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História Sociedade

Conheça as “mães-tigres” e sua forma rígida de criar filhos

Quem nunca viu um K-drama com mães extremamente rigorosas com os filhos, decidindo o que eles vão estudar e até com quem vão casar? Pais rigorosos é algo comum em todo o mundo, mas o fenômeno das “mães-tigres” é algo específico de países asiáticos baseados na filosofia confucionista, como a Coreia do Sul. O termo foi propagado a partir de 2011 com o livro da professora Amy Chua, formada pela Universidade de Harvard e atual acadêmica de Direito na Universidade de Yale. 

No livro “Grito de Guerra da Mãe-Tigre”, Chua explica que essas mães não apenas pressionam as crianças a se destacarem academicamente, mas também controlam rigorosamente suas rotinas diárias, escolhendo até as atividades extracurriculares, que devem ser aquelas em que os filhos “eventualmente possam ganhar uma medalha de ouro”. Tais mães acreditam ter o direito de exigir notas perfeitas dos filhos, convencidas de que sabem o que é melhor para eles, adotando um estilo de criação estrito e disciplinador. O sucesso dos filhos e do marido é uma forma de validação das mulheres e, durante a Dinastia Joseon, era praticamente a única forma pela qual uma mulher poderia ser validada e aplaudida.

A seguir, a KoreaIN vai te contar um pouco sobre o contexto histórico deste fenômeno e da “mulher modelo” da sociedade sul-coreana.


Dinastia Goryeo e Dinastia Joseon

A Dinastia Joseon (1392-1897), com seu modelo de sociedade neo-confucionista, foi responsável por diminuir a liberdade das mulheres coreanas. Anteriormente, durante a Dinastia Goryeo (918-1392), o Budismo era predominante e sua filosofia permitia inúmeras possibilidades para mulheres na esfera pública. O Budismo permitia que as mulheres tivessem vários privilégios familiares, como a possibilidade de casar novamente e herdar propriedades. Além disso, o matrimônio não era algo universal nem uma obrigação. As mulheres podiam escolher viverem solteiras ou até mesmo terem mais de um marido. E era costume os pais viverem com a filha ao invés do filho mesmo depois que ela se casasse.

A Era Joseon colocou a atuação das mulheres apenas na esfera doméstica, provocando o declínio do seu status social e as possibilidades de atuar na esfera pública. As mulheres passaram a ser obrigadas a casarem, sem a possibilidade de múltiplos parceiros ou um novo casamento após a morte do marido. Ao casarem, as mulheres se tornavam propriedade do marido e não tinham mais nenhuma relação com seus pais. As mulheres também perderam o direito à propriedade, já que a propriedade era herdada apenas por homens, passando do marido para o filho homem mais velho. Tudo passou a girar em torno do homem. As mulheres foram excluídas também dos Jokbo (족보), livros de registro genealógicos, que registram todos os ancestrais de uma família, visando honrar os ancestrais e venerar suas conquistas. Ao serem excluídas desse livro, as mulheres eram apagadas da história daquela família.


Dinastia Joseon e Confucionismo

O pensamento neo-confucianista era fortemente baseado em “níveis de dignidade”, estabelecendo relações sociais comuns de “superior” e “inferior”. Dentre as relações estavam “soberano e súdito” (군신유의), “pai e filho” (부자유친), “mais velhos e mais novos por idade” (장유유서), “seniores e juniores no trabalho” (붕우유신) e “marido e esposa” (부부유별). Isso significa que a esposa, por ser menos digna que o homem, devia respeitar e deixar-se ser guiada pelo marido.

As mulheres deviam se ater às “Três Obediências” (삼종, 三從), ou seja, ser obediente ao seu pai antes do casamento, ao seu marido depois do casamento e ao seu filho depois que o marido morrer ou passar os afazeres para o filho. Todas as mulheres eram ensinadas a terem as “Quatro Virtudes Básicas” de uma mulher (사덕, 四德), que eram: (1) a conduta feminina deve ser casta e obediente, (2) a fala feminina deve ser polida e modesta, (3) a aparência feminina deve ser limpa e organizada e (4) o trabalho feminino deve ser doméstico e bem feito, com boas habilidades para bordado e culinária.

A maioria das mulheres não tinha acesso a nenhum tipo de educação formal ou letramento, sendo analfabetas e impossibilitadas de acessarem conhecimentos básicos para homens. Como a propriedade era do homem e era ele quem poderia trabalhar fora de casa, era praticamente impossível para uma mulher se divorciar e sobreviver financeiramente sozinha. Por este motivo, as mulheres eram incentivadas a casarem muito cedo, aos 14 anos, e aquelas que passassem de vinte anos já estariam velhas demais e, portanto, desesperadas por um noivo. Sob tais regras, as primeiras “mães-tigres” começaram a surgir, ensinando os filhos rigorosamente para que se destacassem socialmente. Nesse contexto, Shin Saimdang se destacou como a mais conhecida mulher-modelo da Dinastia Joseon.

A mulher modelo Shin Saimdang… e Heo Nanseolheon

Shin Saimdang (1504-1551) é a primeira e única mulher nas notas de dinheiro coreano (won). A sua escolha gerou controvérsias na sociedade coreana, pois Shin representa o ideal de mulher confucionista, algo que não deveria ser exaltado atualmente. Ela é conhecida por ser uma boa esposa e boa mãe (현모양처), ou seja, ela atingiu o máximo de sucesso que uma mulher poderia conseguir em uma sociedade confucionista. Vinda de família rica, Saimdang foi capaz de aprender um pouco de arte e poesia. Tais talentos se encaixam nos ideais de pureza feminina, a destacando entre as demais mulheres.

O oposto da mulher ideal é Heo Nanseolheon (1563-1589) que, assim como Shin, era educada em artes e poesia, mas não recebeu o mesmo reconhecimento por suas pinturas e poemas por ter sido incapaz de dar luz a uma criança saudável. Heo teve um casamento infeliz e suas crianças morreram ainda bebês. O pai de Nanseolheon nunca reconheceu os talentos da filha, por acreditar que homens eram superiores às mulheres. O irmão mais novo dela, Heo Gyun, comercializava seus poemas na China, já que estes não faziam sucesso na Coreia. A vida de Heo foi um lembrete de que Saimdang foi a exceção. Por ter cumprido suas funções de mãe e esposa, a arte de Shin Saimdang pôde ser apreciada.

Ainda hoje, espera-se que as mulheres coreanas sejam responsáveis por todo o trabalho doméstico e por boa parte da criação dos filhos. Por este e outros motivos, muitas coreanas estão escolhendo não se casar. As mulheres que se casam e viram donas de casa muitas vezes acabam por se tornar uma “mãe-tigre”, visto que seu status social está intrinsecamente ligado às conquistas dos filhos e do marido. 

Muitos K-dramas gostam de retratar a dinâmica de disputa entre mães-tigres principalmente em famílias mais ricas. Narrativas com este tema geralmente tendem para o drama, com cenas de brigas, suicídio e disputas entre as famílias. O objetivo é criticar tal dinâmica familiar, na qual os filhos nunca se sentem bons o suficiente para suas mães. Dentre os K-dramas que retratam esta temática estão SKY Castle (2019), Clube das Mães (2022) e Intensivão do Amor (2023).

Fonte: (1), (2), (3), (4), (5), (6), (7), (8), (9), (10)
Imagens: Wes Mountain via The Conversation, Luo Jie via Chine Daily, The Korea Herald
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