O movimento 4B, também conhecido como “Quatro Nãos“, é um fenômeno feminista que surgiu na Coreia do Sul nas últimas décadas, entre mulheres com idade entre 20 a 30 anos, como uma resposta à desigualdade de gênero e à violência contra as mulheres. O “B”, da sigla do movimento, vem da romanização do prefixo coreano bi- (비), que significa “não” ou “anti”, e é usado para negar os princípios abaixo:
- Biyeonae (비연애): Não namorar.
- Bihon (비혼): Não se casar.
- Bisekseu (비섹스): Não ter relações sexuais.
- Bichulsan (비출산): Não ter filhos.
Originado por volta de 2017, como uma resposta à cultura patriarcal predominante na Coreia do Sul, o movimento procura redefinir a vida feminina fora dos limites dos papéis tradicionais de gênero, através da recusa de qualquer relação amorosa com homens.
Emergindo predominantemente em comunidades on-line na Coreia do Sul, diversos assuntos fomentaram o interesse e o crescimento do movimento, como a disparidade salarial no país, que é a maior entre os 38 países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). De acordo com dados de 2022, mulheres sul-coreanas ganham, em média, 31,2% a menos que os homens, sendo que os homens atribuem esta diferença a interrupções de carreira por maternidade e cuidados infantis, e as mulheres apontam que a principal causa seria a discriminação acumulada em contratação, promoção e posicionamento nas empresas.
Em 2016, o governo sul-coreano lançou um site contendo um mapa chamado “Pink Birth Map”, que mostrava o número de mulheres em idade fértil por cidade, distrito e região do país. Algumas horas após o lançamento, o site ficou fora do ar e, um dia após a divulgação, foi exibido um aviso de seria submetido a correções para refletir a opinião pública.
A repercussão do mapa e do site promovido pelo governo foi grande. Nas comunidades on-line, mulheres criticaram apontando que não eram apenas ferramentas de reprodução e disseram ainda que o governo tratou a questão da taxa de natalidade como algo que diz respeito apenas a elas, salientando que nenhuma imagem de homens foi usada no site. No entanto, não há evidências de que o governo tenha tomado outras medidas além do “mapa” para combater a baixa taxa de natalidade na época.
Além de fatores econômicos e indicadores demográficos, vários acontecimentos de grande repercussão fomentaram o crescimento do movimento e o debate, como o assassinato de uma mulher perto da Estação Gangnam, em 2016. No depoimento, o homem, desconhecido pela vítima, contou que o motivo do crime teria sido porque a mulher o ignorou, o que gerou protestos em todo o país contra a violência motivada pela misoginia.
Outro acontecimento de grande impacto seria o padrão de beleza imposto no país, que pressiona muitas mulheres a fazerem procedimentos estéticos e a usarem maquiagem o dia todo. Então, junto com o movimento 4B, surgiu em fóruns on-line o “Escape the corset“, que se opõe aos padrões de beleza rígidos, sendo uma forma de resistência ao patriarcado e à cultura de consumo de beleza da K-beauty.
Objetivos do Movimento 4B
Diante do cenário de desigualdade e pressões sociais, as mulheres que aderem ao Movimento 4B buscam mais do que apenas contestar normas tradicionais, elas propõem uma nova forma de viver baseada em princípios que rejeitam expectativas impostas. Assim, os principais objetivos do movimento incluem:
- Redefinir o papel das mulheres fora dos papéis tradicionais, desafiando expectativas culturais e patriarcais sobre casamento, maternidade e aparência;
- Promover autonomia feminina e liberdade de escolha, permitindo formas de vida fora das normas costumeiras e livres de pressões sociais baseadas no gênero;
- Questionar instituições patriarcais, como o casamento e a família, e expor o impacto da desigualdade de gênero em diferentes culturas e contextos sociais;
- Resistir a políticas e sistemas que promovem a desigualdade de gênero, defendendo alternativas que priorizem os direitos e a autonomia das mulheres;
- Proporcionar proteção, refúgio e apoio para mulheres, rejeitando dinâmicas prejudiciais e oferecendo espaços seguros;
- Promover discussões globais que conectem feminismo, autonomia feminina e a luta contra sistemas opressivos como o patriarcado e o capitalismo.
Debates sobre o movimento
O movimento atraiu atenção política negativa durante as eleições legislativas de 2020 na Coreia do Sul, o que deu início a um debate ainda maior sobre o assunto. O então candidato do Partido Democrata, Lee Seung-cheon, apresentou como uma de suas promessas para as mulheres “medidas para rejeitar o Movimento 4B”.
Surgiram críticas on-line assim que a promessa de Lee Seung-cheon foi anunciada, muitos apontaram que a proposta era uma repetição da existente estrutura tradicional de família, sem abordar a abolição do sistema patriarcal e a diversificação das formas de família, além de que bloquear o Movimento 4B. Sem alternativas para questões como instabilidade habitacional e violência digital enfrentadas por jovens mulheres, a promessa foi vista como inadequada, reforçando uma visão bipartidária de gênero.
Como qualquer movimento social, o 4B tem suas próprias divisões, as integrantes estão em desacordo sobre se as mulheres 4B podem ser amigas de homens ou de mulheres que ainda querem namorar homens. Algumas pessoas argumentam que o lesbianismo é uma necessidade e há preocupações sobre a exclusão das mulheres trans pelo movimento.
As críticas dizem que o movimento é um favorecimento ao lesbianismo, mas o 4B não é exclusivamente sobre sexualidade. Embora a recusa às relações com homens seja um dos seus pilares, o movimento aborda uma gama mais ampla de questões.
Muitos simplificam o movimento e o reduzem a uma questão de orientação sexual, mas para quem adere ao movimento, a rejeição a esses preceitos não é um completo isolamento, mas uma tentativa de libertação contra sistemas opressivos como o patriarcado.
Impacto Global
O movimento 4B ganhou atenção global, com milhões de visualizações no TikTok e postagens virais no X (ex-Twitter), sendo visto por algumas pessoas como uma revolução nos direitos das mulheres.
Nos Estados Unidos ganhou destaque após a reeleição de Donald Trump, com grande interesse entre mulheres jovens, especialmente em redes sociais como TikTok e Instagram. Algumas mulheres se identificaram com o movimento e adotaram práticas semelhantes, no entanto, especialistas acreditam que o movimento dificilmente se tornará comum no país, já que questões de gênero nos EUA são mais complexas.
O movimento 6B4T, inspirado no 4B, que ganhou atenção na China, mas não se originou no país, incorpora princípios adicionais, como a rejeição ao consumismo e o apoio mútuo entre mulheres solteiras.
O impacto global do 4B mostra uma mudança na forma como movimentos feministas se espalham pelo mundo. Historicamente, movimentos asiáticos foram influenciados pelo Ocidente, como no caso do #MeToo, mas atualmente, movimentos originários da Coreia do Sul estão influenciando sociedades ocidentais, destacando que essas lutas não são exclusivas de um único país e promovendo reflexões sobre gênero, autonomia e o futuro do feminismo.
Fonte: (1), (2), (3), (4), (5), (6), (7)
Imagens: Jung Yeon-je/AFP/Getty, Ahn Young joon/AP, The Associated Press
Não retirar sem os devidos créditos.
