Nem só de K-pop vive a Coreia do Sul. Há pelo menos quatro séculos surgiu um gênero de narrativa coreano muito popular entre os nativos, conhecido como “Pansori”. Este gênero também é uma forma tradicional coreana que mistura música, narrativa e performance teatral.
O Pansori é geralmente apresentado por um cantor, chamado sorikkun (소리꾼), que interpreta todos os personagens da história usando canto (chang), narração (sasol) e gestos dramáticos (ballim). Ele é acompanhado por um percussionista, o gosu (고수), que toca o tambor de duas faces chamado buk (북) e interage com o cantor durante a performance.
Conhecido também como “ópera coreana” ou “canto épico coreano”, o Pansori ocupa um espaço único entre música e narrativa. De um lado, destaca-se como gênero musical pela técnica vocal e pelo uso marcante do tambor; de outro, é uma forma de narrativa musical, já que todo o espetáculo gira em torno de contar uma história longa, com múltiplos personagens e emoções.
O Pansori surgiu em apresentações populares realizadas em espaços públicos, como mercados e praças, onde artistas se reuniam para entreter grandes plateias. Seu nome reflete essa origem: pan (판) significa “lugar onde as pessoas se reúnem” e sori (소리) significa “som”.
Essa narrativa musical teve origem no sudoeste da Coreia no século XVII, durante a Dinastia Joseon, como uma nova expressão das músicas narrativas dos xamãs, então permaneceu como entretenimento para pessoas comuns, atingindo a maturidade no final do século XVIII, com um conteúdo literário mais sofisticado e grande popularidade entre a elite urbana.

O Estilo Musical e Performático
Os cantores de Pansori passam por um treinamento longo e detalhado com o intuito de dominar os timbres vocais distintos e memorizar o complexo repertório. O cantor (소리꾼) deve apresentar um tom de voz rouco e forte nas notas graves e médias, alternando entre cantar, falar e gesticular, geralmente com um leque na mão, interpretando cada personagem e até mesmo sons de fundo na história.
O Pansori tem uma estrutura musical sólida, que garante sua identidade, podendo ser explicada por meio de quatro categorias específicas:
- Jo (조), que se refere aos modos ou tonalidades vocais e também timbres e emoções que cada modo transmite;
- Jangdan (장단), que são padrões rítmicos tocados no buk (tambor), dando andamento e atmosfera ao canto;
- Buchimsae (붙임새), uma técnica de encaixar as palavras na melodia, ou seja, a distribuição de sílabas coreanas no ritmo e na melodia;
- Je (제), que se refere às “escolas” de pansori, que transmitem tradições e estilos diferentes de interpretação.
A narrativa tem uma base técnica e estilística complexa que guia a performance, mas, ao mesmo tempo, se apoia fortemente na improvisação e na interação com o público. Diferente das formas de arte ocidentais, o público faz parte ativa da apresentação, com gritos e reações. O espetáculo também é um diálogo vivo entre cantor e percussionista, onde o segundo grita palavras de incentivo para animar o cantor, que adapta a performance no momento, reagindo ao público, inventando variações e até mudando o tom (humor ou emoção) conforme a reação da plateia.
O espetáculo de Pansori pode durar até 8 horas, mas atualmente os artistas costumam executar apenas certos trechos das canções, adaptando a apresentação ao público e ao tempo disponível; geralmente é feito com ciclos, que são grandes histórias ou narrativas que compõem o repertório do gênero e cada um é como uma obra completa.
Do repertório original, que contava com 12 ciclos, chamados madang, apenas cinco sobreviveram, constituindo o repertório principal do Pansori:
- Chunhyangga, sobre o amor entre uma jovem kisaeng e um homem da elite;
- Simcheongga, que narra o sacrifício de uma filha para devolver a visão do pai cego;
- Sugungga, uma narrativa satírica sobre um coelho em um reino subaquático;
- Heungbuga, que aborda a luta moral entre irmãos;
- Jeokbyeokga, baseada no romance chinês “Romance dos Três Reinos”, centrada na Batalha de Chibi.
Reconhecimento e Preservação
Em torno dos anos 1960, o Pansori estava quase se apagando, em parte devido à modernização rápida e à perda de interesse popular. Mas, em 1964, o governo sul-coreano declarou o Pansori “Patrimônio Cultural Imaterial” como forma de proteger a arte, ajudando então, a reviver o interesse acadêmico e prático, trazendo novos estudos, performances e valorização da cultura tradicional, além de fortalecer o respeito pela tradição artística.
Os filmes foram um dos fatores que ajudaram a levar o Pansori para o público internacional, como Seopyeonje (1993) e Chunhyangjeon (2000), destacando histórias e cantos tradicionais de maneira cinematográfica, tornando a narrativa mais acessível e atraente.
Outra maneira de manter viva a cultura do Pansori, foi a criação do Gochang Pansori Museum em 2001, registrando a história, homenageando mestres importantes e educando novas gerações sobre a arte. O museu está instalado na casa de Shin Jae-Hyo, um teórico e adaptador do Pansori do final da Dinastia Joseon que ajudou a desenvolver e formalizar a narrativa no século XIX.
Com o advento da tecnologia, as gravações permitiram que o público ouvisse Pansori sem precisar estar presente, expandindo o alcance da tradição, e graças a essa adaptação e modernização, a narrativa foi exibida em festivais, teatros e espaços culturais.
Um marco importante na história moderna do Pansori foi a aparição da primeira cantora profissional, Jin Chae-Seon, abrindo espaço para que outras mulheres entrassem na tradição. Posteriormente, cantoras como Kim So-Hee e Park Cho-Wol trouxeram novas sonoridades e gestos à arte, formando trupes femininas que obtiveram sucesso comercial e consolidaram a presença das mulheres no gênero.
Em 2003, o Pansori foi reconhecido como “Obra-prima do Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade” e, em 2008, foi incluído na lista representativa do Património Cultural Intangível da UNESCO.
Fonte: (1), (2), (3), (4), (5)
Imagens: Istock, Wikimedia Commons
Não retirar sem os devidos créditos.