Há poucos meses estourou um grande escândalo na Coreia do Sul: Choi Soon-sil, filha de um grande líder religioso e amiga de longa data da presidente Park, estaria influenciando importantes decisões políticas.
Milhares de pessoas têm saído às ruas pedindo a renúncia da atual presidente e se concluído, está cotado para ser um dos casos mais bizarros do século. Se o caso da Lava Jato é merecedor de uma série do Netflix, este renderia um bom filme de terror da Paramount ou quem sabe uma adaptação em animação pela Dreamworks? O caso tem sido comparado com o de Rasputin, reconhecido líder religioso que influenciou a política russa (Ver nota).
Confesso que quando a história começou a sair eu pensei que era loucura demais para ser verdade, mas ao ver a imagem de milhares protestando e grandes jornais como The Guardian publicando a história, tive que repensar. A presidente Park já era bastante impopular no país, e esse foi o estopim que precisava para levar os sul-coreanos as ruas (não pegaram leve!).
Precisamos falar sobre Choi Tae-min
Da onde veio? Como viveu? Do que se alimentava? Sexta no Glob… na KoreaIN. A presidente Park teria conhecido Choi Soon-sil através de seu pai, Choi Tae-min, líder religioso de uma seita de influências cristãs e xamanistas. O pastor, como se intitulava, conheceu Park aos 23 anos, quando havia acabado de perder sua mãe, que havia sido assassinada por um espião norte-coreano (cujo objetivo era matar o pai de Park). Sua primeira comunicação teria se dado por uma carta, Choi escreveu: “Sua mãe apenas se realocou para te criar como uma verdadeira líder da nação e do mundo. Quando quer que você queira ouvir a voz de sua mãe, deve fazer isso através de mim”. (Tradução: Nexo Jornal)
Após ter ganhado a confiança de Park Geun-hye, o pastor Choi começou a acumular fortuna e criou uma série de fundações tendo Park como chefe nominal. Sua influência também cresceu a ponto do ditador Park Chung-hee, pai da atual presidente, interrogá-lo pessoalmente. Desde aquela época existem boatos de que Park Geun-hye defendeu seu guia espiritual fervorosamente. Em comunicação vazada da embaixada americana em 2007, um embaixador dizia: “Rumores dizem que ele tinha completo controle do corpo e alma de Park durante seus anos de formação e que seus filhos acumularam uma grande fortuna como resultado.”
Com o assassinato de Park Chung-hee por um chefe do seu serviço de inteligência, Park Geun-hye e Choi Tae-min foram afastados da política, enquanto o país mergulhava numa nova ditadura até o processo de democratização em 1987. Durante esse período Park estaria operando várias fundações de caridade, que seriam na realidade caixas de lavagem de dinheiro. Os irmãos de Park chegaram a enviar uma carta para o presidente da época, pedindo para que livrasse a irmã da influência de Choi.
A herança de Choi Soon-sil e a carreira política de Park Geun-hye
Quando Choi Tae-min morreu, a confiabilidade teria mudado para sua filha Choi Soon-sil. Park Geun-hye começou sua carreira política em 1997, se elegendo pela primeira vez em 1998, como deputada. Desde então ela vem criando uma sólida carreira política, sendo chamada de “Rainha das Eleições”, até vencer a presidência em 2012. Rumores já brotaram durante a corrida presidencial, mas Park negou que Choi Tae-min ou Choi Soon-sil estavam envolvidos consigo politicamente.
Assim como seu pai teria feito, Choi haveria praticado um amplo tráfico de influência, tendo extorquido dezenas de milhões de dólares de corporações coreanas. Quando encontravam empresas pequenas e rentáveis, pessoas de confiança de Choi as roubavam. O próprio marido de Choi, Chung YoonHoi, foi chefe de gabinete da presidente.
As acusações
As desconfianças sobre o relacionamento de Choi e Park iniciaram quando a filha de Choi, Chung Yoo-ra, obteve supostamente um tratamento preferencial para entrar na faculdade. Mas tudo estourou quando no dia 24 de outubro um tablet que pertencia a Choi foi encontrado e nele encontravam-se informações confidenciais, que apenas líderes do governo deveria ter acesso. Choi receberia relatórios políticos da residência presidencial para discutir com seu círculo íntimo. Ela negou que o tablet fosse seu, mas haviam selfies da mesma.
Ela teria recebido dados como: reuniões militares da Coreia do Sul com a do Norte e a proposta de orçamento de 150 milhões de dólares para o Ministério da Cultura, Esporte e Turismo.
Também foram encontrados resumos das reuniões do gabinete presidencial, informação da nomeação de assessores presidenciais, programação das férias da presidente, propostas de projetos, entre outros. Uma acusação, especialmente, que pesa sob Choi Soon-sil é ter escrito alguns dos discursos de Park.
A presidente Park foi a público com um pedido de desculpas afirmando que Choi “ajudou durante seu passado difícil”, mas ela não foi capaz de conter o tsunami de acusações sobre si e sua amiga.
No fim de outubro (30/10) Choi retornou para a Coreia do Sul, após passar um período na Europa, quando o escândalo estourou. Ela veio a público e pediu desculpas, afirmando que iria cooperar para esclarecer sua relação com a presidente. Choi assumiu ter recebido documentos secretos, mas negou ter se envolvido em assuntos nacionais ou de lavagem de dinheiro.
Após o discurso de Choi, a presidente Park demitiu o chefe de sua equipe de governo e outros sete assessores. Porém, estes foram flagrados pelo canal “Chosun” reverenciando Choi após ela dar ordens para eles, de acordo com o New York Times.
A popularidade da presidente desde que o escândalo estourou está baixíssima, chegando a 17% de acordo com alguns sites e 5% de acordo com outros. E mais de 40% de eleitores exigindo sua renúncia. Grandes jornais sul-coreanos, até dos mais conservadores, tem exigido que todo o gabinete se demita.
Os protestos que começaram modestos chegaram a 850 mil pessoas no dia 11 de novembro, de acordo com a agência de notícias Reuters. Os manifestantes que pediam a renúncia de Park Geun-hye renderam imagens impressionantes com milhares de coreanos segurando velas em Seul.
Choi Soon-sil é presa, seu relacionamento com um Hostess pode ser a chave
Um dia após sua declaração pública, Choi Soon-sil presta depoimento e é presa para não obstruir a justiça. Como ela havia saído do país anteriormente, o promotor alegou que ela poderia ter destruído evidências enquanto estava solta.
E logo veio por estourar um escândalo sexual envolvendo Choi e seu tráfico de influência. Este envolve um Hostess, chamado Ko Young-tae, que se apresentou voluntariamente ao promotor para investigação. Ko, apelidado pela mídia de “boy toy”, é suspeito de gerenciar o The Blue K e Widec Sports, empresas de fachada criadas na Coreia do Sul e Alemanha, servindo para desvio de dinheiro das fundações Mir e K-Sports.
Pouco se sabe sobre Ko ou seu relacionamento clandestino com Choi, e não há detalhes sobre os interrogatórios. O que se conhece é que ele é um ex-membro da equipe nacional de esgrima, ganhador da medalha de ouro nos Jogos Asiáticos de 1998 em Bangkok. Também trabalhou em conhecidos Host Clubs em Gangnam, no sul de Seul.
No dia 3 de novembro a presidente Park veio a público para se desculpar novamente, ela chorou e disse: “Existem acusações de que eu fui influenciada por um culto religioso ou realizei rituais xamânicos na Casa Azul [residência oficial da presidência], mas eu gostaria de esclarecer que isso absolutamente não é verdade”. Durante o pronunciamente ela pediu que a investigassem. Pelas leis coreanas a presidente apenas pode ser investigada por traição ou insurreição, a não ser que peça investigação sobre si mesma.
Cha Eun-taek e a Indústria do Kpop
Mais recentemente, o produtor musical de K-pop, Cha Eun-taek, foi preso quando chegava da China no Aeroporto Internacional de Incheon. O mesmo foi acusado de, por meio de Choi Soon-sil, conseguir vantagens no setor cultural. Cha disse: “Eu a conheci em eventos oficiais, mas nunca pessoalmente.”
Uma das pessoas próximas de Cha é Song Sung-gak, ex-chefe da Korea Creative Content Agency. Song também foi preso pela suspeita de pressionar empresas de médio porte para extorqui-las.
Cha, que era conhecido no setor como “príncipe herdeiro”, produziu o clipe Hangover do PSY com o rapper americano Snoop Dogg. Devido a essa proximidade o cantor PSY esta sendo associado ao escândalo, a congressista Ahn Min Suk lançou a suspeita: “Um cantor, que é muito famoso, continua a ser convidado para eventos internacionais do nada para representar a Coreia. Há muitos cantores qualificados, mas este único cantor acumula todos os eventos do último par de anos”. Para ela, Choi Soon Sil e Jang Shi Ho (sobrinha de Choi), tem usado esta celebridade e uma organização privada (o Twister Soccer Club, de acordo com inteternautas) para influenciar os negócios do meio de entretenimento.
Cha também trabalhou como diretor de muitos clipes da YG Entertainment, o que causa desconfiança. Além disso, o irmão mais novo de Yang Hyun Suk, Yang Min Suk, e novo CEO da YG parece ter laços estreitos com a presidente coreana. YG liberou uma declaração oficial: “Jang Shi Ho nunca fez parte da nossa empresa, e Psy e Jang Shi Ho nunca sequer se conheceram. Além disso, Psy nunca foi uma parte de ‘Twister Soccer Club’. Nós vamos tomar medidas legais contra estes rumores infundados”.
Teorias da Conspiração
Com um escândalo dessa magnitude, é quase natural que surjam diversos boatos em torno do assunto. Um dos mais loucos diz que Park Geun-hye teria um filho escondido com Choi Tae-min, assim como que o desastre da balsa de Sewol tratava-se de um sacrifício humano. Nada comprovado, apesar do último estar relacionado com corrupção, qual já falamos aqui.
Ainda há quem diga que Choi Soon-sil ajudou na preparação da festa de posse e que a decoração teria vários simbolismos místicos. A escolha das suas roupas também seria associada a astrologia, e Choi comprava roupas mais baratas para a presidente Park, assim como comprava as mais caras para si mesma.
Porém, a maior de todas as teorias da conspiração é uma que sugeria que a presidente se aconselhava com oito mulheres, sendo elas presidentes de grandes empresas ou esposas de empresários influentes. Elas seriam conhecidas como “oito fadas” ou “deusas”.
É importante frisar que seja movida por uma religiosidade duvidosa ou por uma amiga, o que de fato se tem visto na Coreia são escândalos e escândalos de corrupção saindo pelas bordas todos os meses, o que não é algo recente. Deve-se saber separar o que é confirmado, do que está sendo investigado e principalmente, o que não é comprovado, como os listados aqui.
A presidente deixou claro que não cederá a pressão popular, mas esta tem se tornado cada vez maior. As investigações estão em curso, fiquem atentos aos próximos capítulos…
*Nota: As semelhanças com a história russa
Para aqueles que dormiram na aula de história, ou hereges que nunca assistiram Anastácia, um breve resumo: Rasputin tinha fama de místico na Rússia, e após supostamente salvar a vida do filho do czar, Alexei Romanov, ele foi introduzido no círculo imperial, o qual era muito restrito.
A czarina Alexandra Feodorovna confiava cegamente em Rasputin, o que deu poder para influenciar não apenas ela, mas seu marido o czar e assim, decisões políticas. Além da política, Rasputin inseriu homens de sua confiança na Igreja Ortodoxa Russa e angariou diversos seguidores. Rasputin tinha fama de devassidão e era odiado pelo povo, sendo apontado como o responsável pelo distanciamento entre os monarcas e a população. Ironicamente, Rasputin foi morto pelo príncipe Yussupov após várias tentativas. Há um filme sobre Rasputin com Alan Rickman, para quem quer saber mais, e claro a clássica animação Anastácia.
Por Amanda Soares
Fontes ao longo do texto
Não retirar sem devidos créditos