Como a herança do passado se reflete no presente e molda o futuro da sociedade
Sabe aquele chefe frio e indiferente que você teve (ou, quem sabe, ainda tem), que não demonstra o mínimo interesse pela sua vida pessoal e sequer sabe o dia do seu aniversário? Para nós, essa situação não tem nada de absurda; afinal, mantemos uma relação de trabalho e, embora o ambiente e as pessoas não sejam aquele mar de rosas, continuamos nos esforçando dia a dia, motivados pelo salário no fim do mês. No entanto, na terra dos nossos queridos astros K-pop, o dinheiro nem sempre é a moeda de troca mais forte.
Analisando a indústria do K-pop, percebe-se que a maioria dos artistas mantêm uma relação com a empresa de mais de dez anos. O contrato inicia-se desde a infância, quando ainda são trainees, e estende-se após o debut (acompanhado de muitas renovações, às vezes amigáveis e outras um tanto conturbadas). Mas o que leva uma pessoa a continuar dando o sangue por tanto tempo por uma companhia que nem sempre oferece as melhores condições de trabalho?
Talvez, a resposta esteja mais vinculada a questões culturais do que econômicas. Afinal, contratos longos podem não ser lucrativos nem mesmo para a empresa, considerando que dentre os milhares de jovens que ingressam como trainees, apenas alguns garantirão o retorno financeiro investido inicialmente nessas crianças.
O neoconfucionismo foi uma das ideologias base para a construção da sociedade coreana. O próprio alfabeto Hangul carrega essa herança: os três formatos básicos das vogais representam os três elementos do neoconfucionismo – homem, terra e céu. Outras características que ainda estão fortemente presentes na cultura sul-coreana são as relações hierárquicas e a valorização da educação, além da promoção de valores como lealdade, generosidade, responsabilidade e dedicação. Isso, inevitavelmente, também se reflete na indústria do entretenimento.
É muito comum que os líderes das empresas exerçam um papel mais ativo na vida pessoal de seus funcionários, seja comprando-lhes presentes de aniversário, organizando happy-hours ou até mesmo dando conselhos amorosos. Diante disso, não é de se surpreender que personalidades como Lee Soo Man (SM Entertainment) e Yang Hyun Suk (YG Entertainment) sejam vistos como “pais” de seus artistas. Como recompensa por esse tratamento carinhoso, espera-se lealdade e gratidão. Prova disso são os discursos que surgem tanto de algumas empresas como dos próprios colegas quando alguém decide encerrar o seu contrato.
Por outro lado, a supervalorização da educação pode representar uma ameaça à indústria do entretenimento. Afinal, as longas horas dedicadas ao estudo limitam o tempo que os jovens teriam para desenvolver habilidade vocais e de dança, por exemplo. Assim, o K-pop criou um novo sistema educacional, capaz de oferecer uma outra opção de carreira com uma remuneração muito maior. Dessa forma, as famílias começaram a incentivar cada vez mais suas crianças a lutarem por um espaço nos palcos.
A oportunidade de ingressarem em uma empresa como a SM, portanto, é uma grande honra e prestígio. Mesmo que o sucesso não venha no final, os contratos de 10 anos representam pelo menos uma garantia de que o jovem permanecerá em uma grande companhia por um longo tempo. Além disso, tornar-se famoso significa poder representar o país no exterior, o que acende o sentimento nacionalista tanto dos jovens como das famílias.
A oportunidade de ingressarem em uma empresa como a SM, portanto, é uma grande honra e prestígio. Mesmo que o sucesso não venha no final, os contratos de 10 anos representam pelo menos uma garantia de que o jovem permanecerá em uma grande companhia por um longo tempo. Além disso, tornar-se famoso significa poder representar o país no exterior, o que acende o sentimento nacionalista tanto dos jovens como das famílias.
Se a cultura sul-coreana participou da construção da indústria do K-pop, será que o contrário também não poderia acontecer? Aparentemente, já está acontecendo. O exemplo mais citado é a mudança no ranking de carreiras mais almejadas pelos jovens. Se antes a Coreia do Sul era composta por estudantes que discutiam seu futuro como médicos, advogados e professores, hoje esse desejo foi substituído pelo sonho de estar na frente dos holofotes e flashes dos paparazzi. Muitos enxergam essa nova realidade com preocupação, visto que a indústria do entretenimento está cada vez mais competitiva e que o país não poderá ser comandado apenas por boy bands e girl groups.
Na esfera política, o K-pop também já vem marcando presença e transformando uma das instituições mais rígidas e tradicionais. Até 1987, as canções consideradas “muito japonesas” ou “muito ocidentais” eram censuradas, assim como as letras “politicamente subversivas”, “pró-Coreia do Norte” ou “contendo mensagens culturais impróprias”. Porém, com a popularização dos artistas e das músicas, o governo viu-se obrigado a flexibilizar suas políticas de censura à cultura pop e, atualmente, apoia financeiramente as iniciativas de exportação. Apenas no ano de 2013, o Ministro da Cultura, Esportes e Turismo investiu US$ 280 milhões para dar “assistência à Hallyu”. Outra manifestação no campo da política é o uso cada vez mais frequente de hits do K-pop em campanhas presidenciais.
Estes são apenas alguns exemplos de como o K-pop e a cultura sul-coreana estão atreladas e estão se moldando de acordo com a sociedade no decorrer dos anos, criando esse país tão único. Acompanhe a K-IN para saber mais curiosidades nos próximos artigos!
Por Erika Nishida
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