No último mês de maio, a postagem de um vídeo de 20 minutos em que, entre lágrimas, a garota conta sobre sua terrível experiência durante uma sessão de fotos chocou e indignou a sociedade sul-coreana.
(Atenção: o artigo a seguir contei menções a assédio sexual, humilhação e suicídio e pode ser sensível para algumas pessoas.)
Alguns meses atrás, a KoreaIn falou sobre o impacto do movimento #MeToo na Coreia do Sul e sobre como os relatos de mulheres corajosas ajudaram a derrubar homens poderosos que as haviam utilizado seu poder para assediar, abusar e estuprar jovens atrizes, poetizas, promotoras e tantas outras.
Como acontece frequentemente, novos assuntos surgiram e os casos de assédios viraram história antiga. Pelo menos até o início do mês de Maio. Na mesma semana em que foi noticiado que o ator e apresentador Lee Seo Won era investigado por tentativa de assédio e ameaça, a youtuber Yang Ye-Won (famosa pelos vídeos fofos e românticos do Canal BeagleCouple) chocou a Coreia do Sul ao revelar, em um relato longo e doloroso, ter sido vítima de assédio sexual.
No vídeo de mais de 20 minutos, Yang revela ser a garota em fotos pornográficas vazadas no final de Abril e conta a terrível história por trás delas. Em 2015, enquanto estudava para se tornar atriz e se esforçava para pagar as contas, a garota respondeu a um anúncio de emprego para modelos. Depois de ser entrevistada e conhecer o estúdio, Ye-Won assinou um contrato para cinco sessões de fotos.
“O diretor me disse que haveria vários conceitos diferentes, incluindo um sexy. ‘Se quiser ser atriz, você precisa mostrar todos os seus lados, é normal’ foram as palavras dele. Ele ainda me disse que me ajudaria a montar o meu perfil de graça, o que geralmente sai muito caro para modelos e atrizes.”
Ao chegar ao estúdio no dia combinado para a primeira sessão, Yang percebeu imediatamente que algo não estava certo. Cerca de 20 homens a esperavam, nenhuma mulher estava a vista e as portas foram imediatamente trancadas após sua chegada. O diretor a ordenou que vestisse lingeries transparentes e, ao ouvir a recusa da garota, a ameaçou: “Todos esses fotógrafos pagaram para estar aqui, eles irão te processar, você precisará pagar muito dinheiro a eles e me certificarei que você nunca consiga um trabalho como atriz.”.
Sendo jovem e estando aterrorizada com a situação, Ye-Won conta que se viu obrigada a posar por horas. Os homens a diziam quando sorrir, quando fazer corações com as mãos, quando tocar os próprios seios ou quando abaixar a calcinha e mostrar sua vagina. Entre lágrimas, ela lembra que os homens tocavam todos seu corpo e faziam piadas sobre quem posaria com ela.
“Meu único pensamento era que eu precisava sair dali viva. Se eu não fizesse o que eles me diziam, eu poderia ser estuprada. Eu poderia ser assassinada. (…) A parte mais assustadora de todas era saber que essas fotos poderiam se espalhas. Pessoas que eu conheço, ou a minha família, poderiam acabar vendo-as.”
Yang Ye-Won guardou o assédio a sete chaves, a vergonha e o medo a impediram de dividir sua dor ou relatar o crime, mas, no dia 08 de Maio, seus maiores medos se tornaram realidade. As fotos foram postadas online e ela, sua família e namorado passaram a receber mensagens de assédio e ameaça.
“Eu realmente queria morrer. O que Dong Min ( o namorado e parceiro no canal de Youtube) pensaria de mim? O que minha mãe e meu pai pensariam? Quão machucados eles ficariam? Quão chocado meu irmãozinho, ainda adolescente, ficaria? Eu nunca seria capaz de olhar para ele novamente. Eu terminei com Dong Min e escrevi uma carta de suicídio pros meus pais e tentei me matar 3 vezes, mas falhei. Nem isso eu consegui fazer”.
Entretanto, a família e o namorado de Ye-Won a apoiaram totalmente. Foi com o amor e apoio deles que a Youtuber teve coragem de se pronunciar sobre o caso. No vídeo, que já foi assistido mais de 4 milhões de vezes, ela diz que, mesmo que seus assediadores não sejam pegos, espera que seu relato possa impedir que outras passem pelo mesmo trauma e declara seu apoio às outras mulheres que tiveram suas fotos vazadas.
Em um comentário fixado no vídeo do Youtube e no post de Facebook feito por Ye-Won, o namorado de Ye-Won, também falou sobre o caso:
“(…) Eu estava tão bravo e arrasado quando descobri, pensei que ficaria louco. Mas a parte mais triste de tudo foi ver a garota brilhante e linda que amo passando por tanta dor e sofrendo tanto, ao ponto de não comer ou dormir. Como Ye-Won disse, por que fazemos com que as vítimas se escondam? É doloroso, mas por que há tantas vítimas de assédio sexual? Se você também é uma vítima, não tenha medo, fale! Se você esteve passando por essa dor, agora você pode se levantar e lutar. O BeagleCouple estará aqui para ouvir, por favor, nos contate”.
Lee So-Yoon, atriz e amiga de Ye-Won, e a modelo Yoo Ye-Rim se pronunciaram no post do Facebook, elas alegaram ter sido vítimas de crimes muito parecidos e também expressaram sua vontade de ser ouvidas e de escutar outras vítimas. Depoimentos como estes corroboram pesquisa divulgada pelo Conselho Coreano de Cinema e pela organização Mulheres no Cinema da Coreia: dados colhidos entre atrizes, escritoras, modelos e funcionárias de equipes de filmagem mostram que 6 entre 10 dessas mulheres foram vítimas de alguma forma de assédio sexual.
O vídeo de Yang Ye-Won havia sido assistido por mais de 2 milhões de pessoas nas primeiras 24 horas. A história foi o tópico mais buscado em todos os sites de notícias de país e, talvez pela natureza detalhada e devastadora do relato, uma petição online exigindo que a Presidência investigue e puna todos os envolvidos na sessão de fotos foi iniciada e apoiada por milhares de pessoas, dentre elas a Pop Star Suzy.
Ao compartilhar em seu Instagram uma imagem comprovando sua assinatura a favor da petição, Suzy levou o assunto ao auge da atenção. Muitas pessoas aplaudiram a ação inesperada e corajosa da Idol e se juntaram ao movimento, já outros, incluindo os novos donos do estúdio Once Picture, mencionado por Ye-Won como o local utilizado para as fotos, acusam a cantora de usar sua influência para danificar a imagem de uma empresa sem antes esperar por notícias mais apuradas.
Em resposta aos depoimentos de Yang Ye-Won, Lee So-Yoon e Yoo We-Rim o Departamento de Polícia de Mapo-Seul abriu um processo investigatório e convidou as mulheres a comparecerem à estação policial para deporem oficialmente. O Estúdio Once Picture nega qualquer envolvimento com o caso e o ex-diretor, responsável pela sessão de fotos, alega que “Ye-Won concordou com as fotos e nós nunca a forçamos a nada. Na época os fotógrafos assinaram um acordo prometendo sigilo. Essa investigação está sendo conduzida na direção errada. Procurem a pessoa que vazou as fotos, não a mim. Eu também a processarei por calúnia e difamação.”.
Entretanto, durante as últimas semanas, uma série de conversas no aplicativo de mensagens Kakao Talk mostra, supostamente, Yang Ye-Won entrando em contato com o diretor do estúdio, foco da investigação de abuso e assédio, e agendando um total de 13 sessões de fotos, em um período de 3 meses, tempo muito maior do que o citado por ela em seu depoimento. De posse das mensagens, a Money Today teria entrado em contato com os dois lados, mas apenas recebendo respostas do acusado.
“As sessões foram quase sempre marcadas por ela, sempre que precisava de dinheiro. Eu a pagava de 100,000 a 150,000 KRW (equivalente a cerca de R$400) por hora. E acabamos finalmente filmando e fotografando por 13 vezes, muito mais do que eu havia planejado. Ela estava ciente do estilo de fotos e concordou com tudo, como vocês podem verificar nas mensagens.”.
Como esperado, essa revelação gerou comentários e críticas pesadas a Yang Ye-Won e também às pessoas que se pronunciaram publicamente a seu favor, internautas pediam que a youtuber se explicasse e pedisse perdão por suas supostas mentiras. A SBS News, então, conseguiu uma entrevista com Yang. Por telefone ela disse:
“Eu nunca concordei com nada do que aconteceu, sempre que eu tentava fugir, eles me lembravam ‘Nós temos suas fotos, não seja burra’. Isso soava como uma ameaça e minha reação foi de não testá-los. Sobre eu contata-los primeiro, quando isso aconteceu, eu já não tinha esperanças, só pensava que minha vida e honra já estavam acabadas e eu podia, pelo menos, resolver os problemas financeiros da minha família. (…) As pessoas falam sem conhecer toda a história, mas tudo será revelado e resolvido no tribunal.”
Até o final da redação desse artigo, o Departamento de Polícia de Seul não havia se pronunciado sobre a veracidade das conversas vazadas ou sobre o andamento das investigações. Os comentários online, por outro lado, se dividiam entre defensores do diretor do estúdio acusado e pessoas incomodadas com a resposta evasiva de Yang Ye-Won.
Independentemente do resultado deste caso, que ainda demorará, uma coisa é certa: A Coreia do Sul está aos poucos se abrindo e falando mais sobre abuso e assédio sexual. Dramas como Witch’s Court da KBS2 e Live da TVN, que mostraram a realidade por trás da ação de policiais e promotores na luta pela defesa de vítimas e punição de criminosos sexuais, são a prova de que o assunto está chegando a todas as esferas da sociedade sul-coreana e que a discussão não será calada.
Por Jeiciane Torres
Fontes: Korea Herald, Korea Times, Yonhap News,
Youtube – 비글커플, Facebook, International Business Times.
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