[AVISO DE GATILHO] O texto a seguir contém termos sensíveis que podem servir de gatilho. Recomendamos cautela ao prosseguir a leitura.
Na última semana, o mundo se chocou com os relatos de uma rede de exploração sexual virtual de mulheres operava na Coreia do Sul e a constatação que dezenas de mulheres já teriam sido vítimas do esquema. A rede, estabelecida dentro do aplicativo de mensagens instantâneas Telegram, fazia o compartilhamento de pornografia e vídeos de abusos, onde mulheres que tinham a sua intimidade invadida ainda eram chantageadas a ponto de se tornarem escravas sexuais de seus captores.
O caso, apesar de não ser novo, gerou uma grande repercussão recentemente, tendo em vista uma grande adesão de celebridades a um movimento que exige a divulgação dos nomes e punições adequadas aos culpados. Até o momento a grande mídia coreana não havia demonstrado muito interesse no caso, mas este mês ganhou muito destaque devido a grande pressão da opinião pública acerca dos crimes.
Os crimes vitimizaram dezenas de mulheres, incluindo menores de idade, em um ciclo de chantagem, distribuição de material pornográfico ilegal e divulgação de dados pessoais, como os endereços residenciais e dos locais onde as vítimas trabalham ou estudam.
Mas afinal, como surgiu esse caso? Onde estão os culpados? O que a polícia e a mídia coreana estão falando a respeito? Descubra neste dossiê que a KoreaIN preparou sobre o caso.
Como as salas funcionavam
Não se sabe ao certo quando exatamente a rede “Nth Room” teve seu início, mas alguns relatos datam ainda do final de 2018, quando uma série de salas privadas nomeadas “nth room” começaram a surgir no aplicativo Telegram, na Coreia. O conteúdo destas salas revelava um cenário aterrador: pornografia abusiva, que consistiam fotos e vídeos onde as vítimas eram obrigadas a tirar suas roupas sob forte ameaças.
Uma das pessoas por trás de algumas destas salas era um homem que se identificava como “doutor” (em coreano 박사, baksa), que também era a pessoa responsável por enganar e chantagear as vítimas e também gerenciava a entrada de novos integrantes em salas do tipo.
Os links para os vídeos e fotos pornográficos nas salas eram vendidos aos interessados em acessar os conteúdos criminosos e as transações, em grande parte, ocorriam através de pagamentos feitos com criptomoedas. “Doutor” cobrava entre 200 mil e 1,5 milhão de wones (entre 780 e quase 6000 reais) de cada usuário para ceder acesso às salas que comandava, onde cada sala era classificada por conteúdo e preço, algumas delas chegaram a ter 10.000 usuários ativos.
O Telegram foi escolhido como local para as salas por facilitar a confidencialidade da troca de conteúdos criminosos e transações financeiras, visto que o aplicativo tem uma gama de regras restritas quando se trata de criptografia de mensagens, e também não possui servidores na Coreia, o que torna ainda mais difícil a investigação por partes das forças policias coreanas.
No último ano, algumas pessoas tentaram chamar a atenção da mídia e até mesmo da polícia em relação à rede de abusos que estava ocorrendo, sem muito sucesso. O caso só ganhou real notoriedade no início deste ano, quando jornalistas se mobilizaram para investigar a rede criminosa e uma série de petições pedindo a identificação e punição dos envolvidos atingiu a marca de 300 mil assinaturas em questão de dias.
Como as vítimas eram chantageadas
A forma como as vítimas eram enganadas varia muito, mas no caso do “doutor”, a abordagem geralmente era feita através do Twitter das vítimas. Ele fingia ser uma autoridade policial e enviava mensagens às vítimas, que muitas vezes possuíam fotos na rede, dizendo que seu conteúdo pessoal e fotos poderiam acabar vazados e que para se prevenir era necessário acessar um link que ele enviava às vítimas.
Ao clicar no link, a vítima era direcionada a uma falsa página de login do Twitter, onde ela informava seu nome de usuário e senha, que a partir daquele momento ficavam em posse do criminoso. Com essas informações era possível ter acesso a uma outra série de informações pessoais da vítima, como número de telefone e endereço. A partir dali, a vítima sofria uma série de ameaças que, segundo “doutor”, só cessariam se a vítima aceitasse ser uma escrava sexual por uma semana.
Após uma semana sendo escravizadas e enviando vídeos e fotos íntimas humilhantes, as ameaças às vítimas não cessavam, pelo contrário, agora que o chantageador possuía mais material para realizar a chantagem, cada vez mais vídeos, fotos e outras tarefas eram exigidas sob a ameaça ter seus vídeos enviados a amigos e familiares.
Dentre os pedidos, estavam o de fazer vídeos tendo relações sexuais com algum homem designado, cortar um mamilo, cravar palavras como “escrava” ou algum nome com uma faca na própria pele, mutilar a própria genitália e até mesmo comer fezes. Dessa forma, os criminosos mantinham a vítima presa no esquema e tinham cada vez mais material para ser vendido e distribuído nas salas.
Relatos indicam que outras formas também eram usadas para enganar e escravizar as vítimas, como ofertas de emprego onde as vítimas tinham que enviar muitas informações pessoais e fotos para garantir a vaga e mulheres que tiveram suas informações pessoais cedidas pelos próprios namorados para que se tornassem escravas sexuais.
Aquelas que resistissem às ameaças tinham suas informações divulgadas em grupos de homens que eram incentivados a procurá-las, estuprá-las e gravar o ato, para que servisse como exemplo para outras mulheres que tentassem resistir, e ao mesmo tempo gerava ainda mais material para ser vendido, já que os vídeos de estupro custavam mais caro nas vendas.
Em entrevista ao programa de rádio Kim Hyun Jung News Show, uma das vítimas, que era menor de idade na época do ocorrido, relatou que caiu no esquema ao procurar maneiras de pagar suas despesas de vida em um aplicativo, até receber uma mensagem de um dos criminosos oferecendo uma oferta de emprego, dinheiro e um novo celular, com a condição de que a conversa deveria acontecer através do Telegram. Depois de ceder uma série de informações e motivada pelo medo de ter essas informações reveladas, ela cedeu e teria gravado por volta de 40 vídeos enquanto era refém do esquema. A vítima afirma ter dificuldades para dormir até os dias de hoje e que acredita que há mais menores de idade do que adultas vítimas do esquema de chantagem e abuso.
A idade das vítimas variava, mas as haviam desde mulheres adultas a menores de idade sendo chantageadas, sendo a mais jovem delas identificada como uma garota de apenas 11 anos de idade. Mesmo tendo conteúdo de pornografia infantil, as salas pareciam não chamar a atenção das autoridades, mesmo quando denúncias eram recebidas pelas vozes das próprias vítimas. Uma vítima adulta tentou denunciar o caso, suas tentativas acabaram frustradas já que ao tentar fazer a denúncia ela foi aconselhada pela polícia que:
“Já que ela mesma tinha gravado os vídeos, uma denúncia formal não poderia ser realizada”.
Em entrevista ao jornal The Hankyoreh, em novembro de 2019, um homem identificado como Kim Jae-Su (nome fictício) disse que chegou a denunciar o caso para a polícia. Porém, após ver a denúncia ser tratada com descaso, ele passou a colaborar com o esquema, chegando a se tornar líder de uma das salas, já que constatou que este tipo de crime poderia sair impune dada a inércia da força policial.
Relatos indicam que vários homens tinham conhecimento do que acontecia nestas salas do Telegram, mas ao invés de denunciar, na verdade apenas “imploravam pelos links”.
A partir daí, a situação começou a ganhar mais força de exposição e repercussão no início deste ano, mesmo com grande parte da mídia coreana ainda se recusando a dar um grande espaço ao caso. Em fevereiro, a emissora SBS, levou ao ar uma reportagem revelando os resultados de sua própria investigação acerca do caso do “Nth Room”. Após o programa ir ao ar, um dos criminosos enviou um e-mail a emissora ameaçando que, caso a SBS não parasse a exibição do material, ele forçaria uma das escravas da “Nth Room” a se matar.
A identidade de “doutor” é revelada: Cho Joo-bin é preso
A medida que o caso foi ganhando repercussão e atenção de milhares de pessoas, a imprensa teve que apurar e dar mais cobertura ao caso. Até que, no último dia 19, a polícia revelou ter prendido um dos principais envolvidos, o homem conhecido dentro das salas como “doutor”. Na ocasião ele foi identificado apenas como “Cho”, um homem de mais ou menos 25 anos de idade.
Rapidamente um movimento para que a identidade do homem fosse prontamente revelada começou. Uma petição pedindo que sua identidade fosse mostrada atingiu mais de 300 mil assinaturas em apenas dois dias, até que a polícia decidiu revelar a identidade do homem por trás de várias salas de “nth Room”
O homem foi identificado como Cho Joo-bin, de 25 anos.
Até o momento, estima-se que cerca de 74 mulheres eram vítimas ativas de Cho, sendo 16 delas menores de idade. Outras estimativas da polícia também assustam e demonstram que, somando o total de usuários nas salas administradas por ele e outros criminosos, o número chega a alarmantes 260 mil usuários que compartilhavam e assistiam aos conteúdos, sendo que algumas das salas administradas por ele, que eram mais de 100, chegavam a ter dezenas de milhares de usuários.
Na ocasião da prisão, também foram confiscados cerca de 130 milhões de wones (mais de 500 mil reais), e a polícia também iniciou o rastreamento de outras formas de pagamento que financiavam suas atividades criminosas. Até o momento, 126 indivíduos foram apreendidos pela polícia por terem alguma relação com o caso e dezenove foram já foram presos.
No último dia 25, Cho teve seu rosto divulgado diante à imprensa e afirmou:
“Eu peço genuínas desculpas a todos que sofreram por minha causa, incluindo o presidente Sohn Suk-hee, o prefeito Yoon Jang-hyeon e o jornalista Kim Woong”.
Ele, inclusive, agradeceu por “terem colocado um freio na vida de um demônio que ele não poderia parar”. Apesar de tudo, Cho ainda não revela muito sobre o caso a polícia ou sua posição acerca das acusações e sua culpa no caso.
Agora, ele agora enfrenta uma acusação formal pelos crimes que cometeu, incluindo a violação do ato de proteção a crianças e jovens contra criminosos sexuais. Os promotores da Promotoria do Distrito Central de Seul designaram uma equipe especial para a investigação do caso.
A repercussão do caso e a reação das celebridades
Com a repercussão do caso, várias celebridades do mundo do entretenimento coreano também demonstraram sua revolta diante do caso e seu apoio às vítimas através das redes. Foi o caso de Baekhyun e Chanyeol, ambos membros do EXO que assinaram petições que pediam a revelação de todas as informações dos participantes da “nth Room”, para punir todos os perpetuadores, participantes da “nth Room” e o “doutor” (agora já identificado) e revelar a identidade de todos os suspeitos com fotos.
Celebridades femininas também demonstraram repulsa ao perceberem e serem avisadas de que uma conta no Instagram, atribuída a Cho Joo-bin, as seguia e visualizava suas postagens, como foi o caso da atriz Kim Ha Young, que postou uma imagem enviada a ela por um cidadão, recomendando que ela bloqueasse a conta que a seguia.
“Eu realmente espero que ele seja punido pela lei. Se você é humano, se você nasceu um ser humano, você não deve fazer coisas como esta”.
A atriz desabafou.
Além dela, personalidades como Lee Da In, Yeonwoo (ex-MOMOLAND), Yewon (ex-Jewelry) e Gain (Brown Eyed Girls) postaram screenshots e agradeceram o aviso dos fãs, bem como afirmando já terem bloqueado a conta.
Também Eric Nam, Hyeri e Sojin (Girl’s Day), Baek Yerin, Ravi (VIXX), Baron (VAV), BM (KARD), Nam Bora, Simon Dominic, Hoya (ex-INFINITE) e muitos outros famosos mostraram apoio ao movimento contra o esquema da “nth Room”
Às vítimas, resta o sentimento de angústia diante das investigações, e a esperança de que não só Cho Joo-bin, como todos os envolvidos neste e em outros casos do gênero sejam plenamente punidos e que elas possam, de vez, se libertar da escravidão.
Fontes: (1), (2), (3), (4), (5), (6)
Imagens: Yonhap News, News1, Osen e divulgação
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