Ao contrário do que os K-dramas frequentemente retratam, os sul-coreanos não são inclinados a se envolver com estranhos ou tentar fazer amigos, a menos que seja necessário.
Muitos visitantes da Coreia do Sul compartilharam choques culturais relacionados a conversas fiadas e abertura a amizades. Como potencial prova da aversão dos sul-coreanos a conversas fiadas, alguns aplicativos de táxi, como o i.M. Taxi da Jin Mobility, permitem que os passageiros evitem conversas com taxistas selecionando uma opção, que diz “Shh! Quieto. Não gosto de conversas desnecessárias”, antes de reservar uma corrida.
Para entender por que muitos sul-coreanos estão menos acostumados, ou até mesmo não gostam, de conversas casuais, o The Korea Herald entrevistou moradores e especialistas locais.
Os entrevistados pontuaram três motivos: não ter razão para conversas fiadas, estar cansado de ser obrigado a ser educado e não querer ter conversas que fiquem muito pessoais. Já os especialistas apontaram fatores culturais e históricos.
Nenhuma boa razão para conversas fiadas
O jornal entrevistou uma estudante de pós-graduação de 26 anos em Seul, Bang Eun-jung, que acha conversas únicas com estranhos “inúteis”, pois não levarão a relacionamentos duradouros. Relembrando sua viagem ao Reino Unido há dois anos, ela disse que ficou surpresa quando um barista inglês perguntou sobre tudo, desde seu itinerário de viagem até seu trabalho na Coreia do Sul: “foi um choque cultural me envolver em conversas tão casuais com alguém que eu nunca mais veria”, e acrescentou que “normalmente não vejo nenhuma razão específica para conversar com estranhos”.
Já a estudante universitária Park Ji-yoo, que mora em Songdo, Incheon, disse que é “muito estressante” encontrar pessoas que fazem perguntas estranhas.
Cansaço da obrigação de ser educado
Alguns funcionários de escritório, que são pressionados para manter um comportamento educado e amigável no trabalho, especialmente perto de idosos, preferem evitar ambientes sociais semelhantes, pelo menos fora do trabalho.
O jornal entrevistou Han Dong-jin, um gerente de RH de 36 anos de uma empresa farmacêutica em Seul, que disse que a conversa fiada parece uma extensão do trabalho: “não só eu, mas acho que todos os funcionários de escritório usam uma máscara social. Já que tenho que ser educado e profissional com pessoas diferentes todos os dias. Quando estou em um café ou restaurante, só quero me deixar relaxar“.
Ele acrescentou que “depois de trocar algumas palavras, o silêncio se segue, e esse momento parece estranho. É frustrante me forçar a pensar em coisas para dizer. Não sou hostil, mas só quero aproveitar meu próprio tempo sem me preocupar com os outros”.
As conversas podem ficar muito pessoais
Para Shim Ryu-jin, uma mulher de 32 anos com um filho de 3 anos, uma conversa fiada pode ser uma maneira eficaz de quebrar o gelo, mas às vezes invade o território pessoal: “quando estou em um táxi ou no metrô com meu bebê, as pessoas costumam dizer o quão fofo ele é, e eu realmente aprecio isso. Mas algumas pessoas fazem perguntas pessoais, como o que meu marido faz para viver ou se estamos planejando um segundo filho, e isso me deixa muito desconfortável“.
Ela afirmou que “mesmo quando uma conversa fiada começa com boas intenções, dependendo de quem está falando e do tópico, às vezes pode ficar irritante“.
O que dizem os especialistas
Alguns especialistas atribuem a relativa falta de familiaridade dos sul-coreanos com conversas casuais a fatores culturais e históricos.
Tradicionalmente, os coreanos viviam em comunidades de bairros muito unidas e formavam laços fortes dentro de vários grupos, da escola ao trabalho. Isso levou a limites claros traçados com pessoas de fora.
Para Lee Dong-gwi, professor de psicologia na Yonsei University, “em uma cultura comunitária, que foi uma característica predominante da sociedade coreana por um longo tempo, as pessoas se conheciam principalmente“. E acrescentou que “enquanto em outros lugares onde as pessoas eram mais nômades, elas provavelmente encontravam estranhos com muito mais frequência do que nós“.
O professor também explicou que essas comunidades unidas, no entanto, começaram a se desgastar à medida que a industrialização e a urbanização progrediam rapidamente na Coreia do Sul. Ainda assim, as atitudes das pessoas em relação a estranhos não mudaram muito.
Jin Gyung-sun, professor do Departamento de Psicologia da Sungshin Women’s University, vê isso como um fenômeno mais comum entre as gerações mais jovens, com conhecimento digital. Ao contrário das gerações mais velhas, para quem a comunicação face a face é a norma no trabalho e em outros ambientes, as gerações mais jovens cresceram quando muitas interações sociais mudaram para espaços virtuai e, para eles, a imprevisibilidade das conversas cara a cara pode alimentar a ansiedade de conversas casuais.
O professor ainda lembrou que “as interações entre jovens experientes em tecnologia estão mudando cada vez mais para o on-line, onde é mais fácil bloquear ou atrasar conversas. Basicamente, as pessoas têm mais controle sobre a conversa (quando é on-line)“, no entanto, “quando se trata de conversas cara a cara com estranhos, você não consegue realmente prever como as coisas vão acontecer, então é mais difícil de controlar. Pessoas que não gostam de conversa fiada provavelmente não querem lidar com essa incerteza“.
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Imagem: Roméo A. via Unsplash
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