Deepfake é assunto cada vez mais falado nos últimos anos e em todo o mundo. Só na Coreia da Sul, houve um aumento de crimes sexuais usando deepfake que levou a polícia sul-coreana a investir mais de 6 milhões de dólares em sistemas de detecção de deepfake para combater essas violações. Mas, ao mesmo tempo em que se combate o uso ilegal para crimes, houve uma ascensão do uso da tecnologia dos deepfakes no entretenimento com finalidade de efeitos especiais.
Então quais seriam os limites para o uso de deepfakes? Para discutir o tema, vamos falar um pouco sobre como a tecnologia de deepfake está sendo usada no mundo do entretenimento. Quem sabe até você se surpreende em descobrir que já viu o uso de deepfake em uma série, filme ou vídeo sem nem saber. Confira!
O que são os deepfakes?
Deepfake é uma tecnologia que usa inteligência artificial (IA) para modificar conteúdo audiovisual real, como vídeos, fotos e áudios, e transformá-los em algo que não aconteceu ou não é possível acontecer. Pode ser usado para colocar o rosto de uma pessoa no corpo de outra, mudar o que uma pessoa disse (modificando voz e movimentos de boca) e assim por diante.
O deepfake já foi e ainda é muito usado como diversão e para conteúdo aparentemente inofensivo, como usuários comuns colocando o seu próprio rosto no papel do seu super-herói favorito do cinema ou em propaganda do Will Smith falando português em anúncio da Nomad e David Beckham falando vários idiomas na campanha da Malaria No More, por exemplo. Mas, conforme se popularizou e se expandiu, este recurso ganhou novas utilidades, boas e ruins.
Como os deepfakes são usados no entretenimento
Por causa de muitos escândalos envolvendo deepfake nos últimos anos, o assunto ganhou uma grande conotação negativa. No entanto, o que pode surpreender é que esse mesmo tipo de tecnologia é utilizado na indústria de entretenimento de maneira legalizada há alguns anos. Em alguns casos, sequer notamos ou sabemos dessa situação.
Antigamente, quando precisava mostrar um personagem de um filme ou série quando era mais novo, buscava-se um ator parecido. Mas, conforme a tecnologia de computação gráfica melhorou, algumas mídias passaram a rejuvenescer os atores na pós-produção e manualmente, muito antes de deepfake ou IA, como aconteceu em franquias grandes como Piratas do Caribe e Star Wars.
Mas a chegada dos deepfakes facilitou e barateou esse processo, permitindo que rostos de atores sejam transformados sem a necessidade de uma maquiagem complexa ou um orçamento de computação gráfica digna de campeões de bilheteria. Em Hollywood, os deepfakes já são usados para rejuvenescer atores famosos aproveitando a gama de vídeos já existentes de suas carreiras, como Robert De Niro e Al Pacino em O Irlandês e Harrison Ford no novo filme da série Indiana Jones.
A indústria do entretenimento da Coreia do Sul não ficou para trás e também seguiu esses passos. No drama A Próxima Aposta, o ator Choi Min-sik foi rejuvenescido em algumas décadas usando deepfake, enquanto A Killer Paradox recriou uma versão adolescente do ator Son Suk-ku usando fotos dele próprio quando criança sobre o rosto do ator mirim Kang Ji-seok que emprestou corpo, movimentos e expressões faciais – sem vermos sequer traços de seu rosto original.
Só que em alguns casos ainda podem ir além e pessoas podem “voltar à vida”. O ator Song Hae teve uma participação especial no drama De Volta às Raízes (Welcome to Samdal-ri) menos de um ano após sua morte, representando ele mesmo como apresentador de um programa famoso. No programa de variedade Chairman’s People, um episódio trouxe os atores do drama Country Diaries para um reencontro e incluiu o falecido Park Yoon-bae como deepfake ao lado de seus ex-colegas.
Os grandes problemas (e perigos) dos deepfakes no entretenimento
Como dá para perceber, o uso de deepfakes no entretenimento por si só é fonte de diversas polêmicas, a começar sobre a ética do uso de deepfakes para “reviver” celebridades falecidas. Alguns argumentam que poderia ser uma homenagem, mas outros dizem que as pessoas devem poder definir como sua imagem é utilizada, o que se torna impossível após a morte.
Essa discussão tampouco é nova. Mesmo em época de computação gráfica, antes de deepfake, esse assunto já era debatido calorosamente. A atriz Carrie Fisher faleceu em 2016, antes das gravações do último filme da nova trilogia de Star Wars, A Ascensão Skywalker. Na época, foi sugerido o uso de deepfake para fazer a Leia “atuar” no filme. Mas no fim os diretores decidiram usar gravações que já possuíam com alterações em computação gráfica para dar uma conclusão à história da personagem sem ter um papel muito relevante na história e assim preservar o legado da atriz.
Outra polêmica antiga que se intensificou com os deepfakes é a redução de oportunidades na indústria e da qualidade da tecnologia. Se antes cenas de versões mais jovens ou mais velhas de personagens eram possibilidades de empregar atores nessas faixas etárias, o uso de deepfake pode eliminar a necessidade de contratar mais atores. Se por um lado barateia a produção, por outra reduz as oportunidades para revelar atores mirins e de contratações de atores mais velhos.
Além disso, por mais realistas que sejam, deepfakes não são perfeitos e o alto uso de tecnologia para alterar sons e imagens de pessoas pode eliminar as nuances da atuação, tornando expressões faciais genéricas e vozes sem emoção, reduzindo a qualidade das obras audiovisuais.
Além disso, não podemos esquecer de perigos que trazem para nosso dia a dia. Como qualquer tecnologia de IA, quanto mais ela é utilizada e “alimentada”, mais ela se aperfeiçoa. E mesmo que isso pudesse ser positivo para certos usos, também está aprimorando e facilitando o uso por pessoas mal-intencionadas.
Deepfakes podem ser usadas desde para colocar pessoas dizendo algo que nunca disseram e gerar notícias falsas até para se passar por pessoas em verificação biométrica ou ainda usar imagens de celebridades ou pessoas comuns em conteúdo pornográfico, como no grande escândalo dos grupos de bate-papo. Quanto melhor e mais acessível essa ferramenta for, mais difícil será distinguir o real do falso e mais pessoas podem ser prejudicadas e transformadas em algo que elas nunca foram.
Deepfakes podem aprimorar obras audiovisuais e trazer benefícios para o entretenimento. Mas também trazem questões éticas, sociais, profissionais, legais e criminais que pesam na balança da utilidade desta ferramenta. Se no fim das contas for inevitável que continue existindo, precisa então ser discutida para garantir o uso adequado sem lesar ninguém.
Por Paula Bastos Araripe
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Imagens: Banco de imagens 123RF
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