A Coreia do Sul é um dos países mais avançados tecnologicamente, porém, quando se trata de igualdade de gênero, o país vem se desenvolvendo de maneira lenta e o papel da mulher na sociedade sul-coreana muitas vezes é limitado ao de boa esposa. Hoje, discutiremos sobre a origem deste status e o que vem sendo feito para mudá-lo.
Só “bela, recatada e do lar”?
O estigma de que a mulher sul-coreana deve ser a “donzela do lar” é algo que vem de muito antes do país virar uma República. Durante a Dinastia Goryeo (918-1392), a população feminina possuía alguns direitos, como poder iniciar o divórcio caso fosse infértil, mas com a chegada da Dinastia Joseon em 1392 e a adoção do neo-confucionismo como ideologia nacional, eles foram retirados e a mulher passou a ter que se encaixar ainda mais no padrão de “boa esposa”.
A filosofia confucionista prega que a sociedade deve ser hierárquica e patriarcal, tornando o homem não apenas líder da família, mas também da comunidade em que está inserido, e a mulher deve apenas ter o papel de seguidora, ajudando ao fazer as tarefas domésticas e cuidar dos filhos. Essa obrigação feminina não é algo que foi subentendido, o livro Three Obediences and Four Virtues (em tradução livre, Três deveres e quatro virtudes) é como se fosse um guia para ser uma boa mulher: “As três obrigações de mulher são obedecer o pai antes do casamento, obedecer o marido depois do casamento e obedecer o filho mais velho depois da mulher do marido”. E as tais quatro virtudes que ela deve ter são: “ter uma boa moral [sexualmente], ter boa fala, ser modesta e trabalhar sempre com capricho”.
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Este pensamento reflete até mesmo nos dias atuais. É muito comum nas famílias sul-coreanas que apenas as mulheres cuidem da comida e lavem os pratos durante datas comemorativas como o Chuseok. Tanto que, de acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 2016 as mulheres depois de sair dos empregos ainda trabalhavam mais três horas sem ganhar um salário, ou seja, cozinhavam e limpavam a casa, sendo que os homens apenas passavam 45 minutos.
Elas na mídia
Já foi falado aqui que por mais que agora a mulher coreana possa trabalhar em empresas ou outros ramos, ainda é imposto que ela não esqueça do lar e isso é muito refletido nas propagandas de produtos de limpeza e eletrodoméstico, que em sua maioria tem apenas figuras femininas.
Não se pode esquecer dos dramas que, por mais amados que sejam, não estão isentos de ser estereótipos. Quantas vezes você já não viu as mulheres serem retratadas como frágeis e tão tímidas que chegam a ser submissas? Ou aquela personagem que é uma moça pobre de vida sofrida e por isso se esforça no trabalho? Diversas produções usam esses “clichês” e também aquele que a vida delas apenas muda ao conhecer seu príncipe encantado rico, que muitas vezes tem atitudes meio questionáveis, como puxadas pelo pulso e empurrões contra parede.
Porém, nos últimos anos as produções têm mudado bastante e com isso apareceram filmes e dramas com protagonistas femininas fortes e que também podem utilizar meios não muito convencionais para atingir seus objetivos. Como é o caso do drama A historiadora Goo Hae Ryung, que tem uma personagem principal carismática e tão determinada a virar historiadora do palácio que foge de casa para realizar o exame para o cargo.
Além dela, pode-se citar a personagem Cha Jooeun, de Private Life, uma vigarista que utiliza do estereótipo de mulher ingênua para conseguir tudo o que quer – ela é interpretada por Seohyun, integrante do Girls’ Generation.
Além disso, não se pode deixar de mencionar que em 2021 a atriz Young Yuh Jung tornou-se a primeira atriz sul-coreana a ganhar um Oscar, por sua atuação como a avó no filme Minari. Já no k-pop, o destaque vai para o BLACKPINK. Recentemente, o grupo tornou-se o primeiro artista musical a bater a marca de 70 milhões de inscritos no YouTube. Porém, antes mesmo do quarteto estrear, diversos grupos femininos já vinham conquistando números e marcas inéditas na carreira. Veja alguns deles em outro texto aqui no nosso site.
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Mudanças lentas
Desde os anos 1990, com a aceleração do desenvolvimento sul-coreano, as mulheres foram conquistando mais direitos e também se colocando em outras áreas. Muito disso foi devido à criação da Comissão Presidencial para Assuntos da Mulher em 1998, que tinha como uma das tarefas básicas revisar e estabelecer leis e regras que envolvam discriminação em qualquer setor e aumentar a representação das mulheres.
Hoje, a Comissão se tornou o Ministério da Igualdade de Gênero e, com as medidas implantadas por ele, a International Consultants for Education and Fairs estima que agora cerca de 67,2% dos alunos que se graduaram em uma universidade eram mulheres.
Além disso, em épocas mais recentes, o governo sul-coreano tem tido mais mulheres em cargos de liderança, por exemplo Chang Sang, que em 2002 foi a primeira mulher a ocupar o cargo de primeiro-ministro, e também Park Geun-Hye, a primeira presidente da Coreia do Sul, eleita em 2013 e que ocupou o cargo até 2017.
Para as eleições presidenciais do ano que vem, a candidata Sim Sang-jung é um dos nomes que poderá ocupar a Casa Azul. Ela concorre pelo Partido da Justiça.
Contudo, por mais que a Coreia do Sul seja um dos países com mais porcentagem de CEOs mulheres, como é o caso da Coca-Cola, que em 2019 teve a presidência executiva assumida por Choi Su-Chong, também é o país com a diferença salarial mais alta entre gêneros, 34,6%, sendo que a média mundial da OCDE é de 13,1%. As mulheres também são as que mais ocupam empresas com baixos salários e de meio período.
Ou seja, ainda há muito a se fazer para que as mulheres possam ser finalmente reconhecidas por seus talentos e não apenas como donas de casa, mas o futuro é muito promissor.
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Imagens: Ahn Young-joon (AP Photo), Dark Side of Soul, SammyHub, Korea Biz Wire, MBC via Tumblr, JTBC, WWC
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