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Ensino e Educação

Como o culto às escolas e universidades de elite criou uma cultura de “Falsos Gênios” na Coreia do Sul

O fato de ser um país com cultura fortemente pautada na educação transformou a Coreia do Sul. Porém, isso não significa que tal filosofia não tenha o seu lado negativo. Esta semana, o recém-nomeado Ministro da Justiça Han Dong Hoon viu seu nome envolvido em uma polêmica após o histórico escolar da sua filha ser posto em cheque.

A garota, que não teve seu nome divulgado por questões de sigilo, teria publicado cinco artigos científicos e quatro e-books em um intervalo de dois meses. O mais intrigante é que tudo isso ocorreu quando ela ainda estava no ensino médio.

Alguns dos artigos escritos pela filha de Han foram publicados em jornais classificados como “publicação predatória”. Isto é, são publicações que recebem e publicam artigos mediante pagamento e sem verificar a qualidade ou até mesmo a veracidade das pesquisas. O incidente agora pode custar a nomeação de Han para seu cargo, o qual assumiu no último dia 10 quando Yoon Suk Yeol tomou posse como novo presidente da Coreia do Sul.

O Professor Lee Joon Koo, acadêmico de Economia na Universidade Nacional de Seul, postou em seu Facebook pessoal um texto chamado “Para onde foram todos os gênios?“. Na publicação, ele chama os estudantes que cometem fraudes em seus currículos escolares de “Falsos Gênios” e destaca: “Para estudantes de Ensino Médio facilmente publicarem seus artigos em jornais estrangeiros como temos visto nos últimos anos costumava ser insondável. No meu caso, não finalizei um artigo sequer durante meu tempo na universidade“.


O início de tudo

Autor do livro Introdução à Economia e acadêmico com experiência em diversas universidades sul-coreanas, o Professor Lee diz conta que a tendência de alunos do Ensino Médio publicarem artigos científicos começou no início dos anos 2000, após a revisão do sistema de ingresso às universidades.

Em sua crítica, o Professor Lee questiona o porquê do ensino não ter tido nenhum avanço significativo nos últimos 20 anos e por qual motivo ele não tenha encontrado nenhum aluno excepcionalmente inteligente nos últimos anos. O que ele chamou de “Falsos Gênios” seria um resultado da obsessão dos pais por escolas de elite.

A opinião do professor pode ser amparada por uma pesquisa feita por Kang Tae Young, da empresa de mídias Underscore, e Kang Dong Hyun, doutorando em Sociologia na Universidade de Chicago. Ao analisarem mais de 500 artigos escritos ou co-escritos por 980 estudantes do Ensino Médio e publicados de 2001 a 2021, os pesquisadores constataram que pelo menos 70% daqueles que publicaram artigos não fizeram nenhuma outra pesquisa após finalizarem o Ensino Médio. Além disso, muitos dos textos eram na área de Engenharia de Computação e Medicina, matérias que não são oferecidas para alunos em fase escolar.

Segundo críticos, a busca para entrar em uma universidade de prestígio produziu uma onda de alunos com habilidades de liderança, trabalho voluntário e conquistas acadêmicas e pode ser apontada como a causa deste efeito.

Desde 2001, a Coreia do Sul implantou um sistema único de admissão para as universidades do país, o chamado CSAT. As provas são feitas em novembro e refletem até mesmo no mundo da fama. A cada ano, jornais entram em contato com empresas para saberem quais idols farão o exame e diversos famosos postam mensagens de encorajamento desejando boa sorte aos estudantes.

Uma dos focos do CSAT é o currículo de atividades extracurriculares dos alunos. Visando colocarem seus filhos em universidades de prestígio dentro ou fora do país, alguns pais chegam até a contratar consultorias para ajudar no processo.

As empresas que oferecem tais consultorias a preços exorbitantes também estão sendo alvos de crítica por causarem desequilíbrio na educação igualitária no país. Autoridades da educação agora estudam aplicar medidas para reprimir agências que oferecem serviços de “ghost writing”, nos quais pessoas são creditados em textos que não escreveram.

O caso de Han Dong Hoon traz semelhanças com outro envolvendo um outro nome que ocupou o seu cargo no passado.


O escândalo anterior

Não muito tempo atrás, em 2020, um ex-ministro da Justiça também passou por algo parecido. No caso de Cho Kuk, sua esposa foi condenada a quatro anos de prisão sob a acusação de falsificar documentos para que sua filha fosse admitida em uma universidade de Medicina. Além da condenação, ela ainda recebeu uma multa de 500 milhões de wones (mais de R$ 1.97 milhão) e teve 140 milhões de wones (mais de R$ 500 mil) confiscados pela justiça. Após uma onda de protestos, Cho acabou deixando seu cargo em 2019.

Já em abril, a Universidade Nacional de Pusan finalizou o processo de cancelar a admissão da flha de Cho ao curso de Medicina sob alegação de que tenha falsificado documentos em sua aplicação. Um dos artigos que constavam em seu currículo era uma pesquisa de patologia no qual seu nome era o primeiro citado, mesmo ela sendo uma aluna de Ensino Médio na época da publicação. O artigo foi retirado após o verdadeiro autor admitir que a pesquisa não teve aprovação ética e os co-autores não fizeram nenhuma contribuição relevante para o estudo.


Efeitos na mídia e no mundo on-line

Os nomes das três maiores e mais prestigiadas universidades na Coreia do Sul formam a sigla SKY. A abreviatura se refere à Universidade de Seul, à Universidade da Coreia (aqui considerada pela letra “K” referente ao nome do país em inglês) e à Universidade de Yonsei.

A sigla esteve em destaque na mídia em 2019 devido ao sucesso da série Sky Castle, cuja história foca em um grupo de mães ricas que buscam as mais diversas artimanhas para que seus filhos sejam admitidos nas universidades.

Além disso, um aplicativo de relacionamentos SKY People também ganhou fama em 2021 ao permitir que apenas homens que estudam ou sejam graduados em algumas dessas universidades se inscrevam em seu sistema para procurar pretendentes.

Em uma entrevista de rádio, o Deputado Jang Kyung Tae, do Partido Democrático, citou o caso do ex-ministro Cho Kuk como um “Sky Castle da vida real“. Já o do atual ministro Han Dong Hoon foi chamado de “Ivy Castle“.

Assim como a SKY, a Ivy diz respeito às oito maiores universidades estadunidenses. A lista é composta pela Universidade Brown, Universidade de Columbia, Universidade Cornell, Faculdade de Dartmouth, Universidade Harvard, Universidade da Pensilvânia, Universidade Yale e Universidade de Princeton.

O Deputado Jang sugeriu que a filha de Han, que estuda em uma escola internacional, possa ter escrito os artigos para formar um currículo que pudesse ser usado para se candidatar à uma vaga em alguma universidade estadunidense.

Fonte: (1), (2)
Imagem: Chung Sung Jun (Getty Images)
Não retirar sem os devidos créditos.

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